quinta-feira, 16 de maio de 2024

Resultados da restauração florestal no Pontal do Paranapanema mobilizam pesquisadores da UNESP

 


A equipe de restauração florestal do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, que atua no Pontal do Paranapanema, recebeu a visita de professores e pesquisadores da Unesp (Universidade Estadual Paulista) dos Campus de Ilha Solteira e Botucatu interessados em ver de perto a implementação dos Corredores de Vida, no extremo Oeste do estado de São Paulo.

Haroldo Borges Gomes, coordenador de campo do IPÊ, mostrou no Mapa dos Sonhos, o caminho que orienta os Corredores de Vida que conectam com o plantio de mudas de árvores nativas do bioma Mata Atlântica propriedades rurais privadas a duas Unidades de Conservação: o Parque Estadual Morro do Diabo (PEMD/FF) a Estação Ecológica Mico-Leão-Preto (Esec MLP), além de outros fragmentos de mata natural importantes para a região.



Em campo, o grupo visitou o maior corredor já restaurado no bioma que com 2,4 milhões de árvores, em 12 km, conecta o PEMD a ESEC MLP. Com início há mais de 20 anos o plantio desse corredor é uma ação do IPÊ em parceria com o proprietário da Fazenda Rosanela, financiadores nacionais e internacionais.


Para o pesquisador Alexandre Marques da Silva, da Unesp de Ilha Solteira, a escala da restauração florestal é um diferencial “Aqui no Pontal a restauração florestal está em outro nível. É muito positivo ver esse corredor, ver a importância com que a conservação é tratada por uma instituição renomada como o IPÊ. 

Para Celso Luís Marino, assessor da pró-reitoria de pesquisa na Unesp, esta foi a primeira visita de várias outras. “Na Unesp de Ilha Solteira contamos com a Fazenda de Ensino, Pesquisa e Extensão (FEPE), onde o professor Mário Luiz Teixeira de Moraes, da disciplina de Genética de Populações, desenvolve com alunos de Mestrado e Doutorado testes de progênies que visam a conservação genética das populações arbóreas, determinação da estrutura genética, produção de sementes melhoradas, entre outras melhorias, em diferentes sistemas de plantio. Com certeza voltarei ao Pontal”.

Para Haroldo Gomes, essa visita estreitou os laços entre IPÊ e Unesp, ficou claro que ambas as instituições visam uma parceria futura em que em conjunto seja possível desenvolver um trabalho voltado para a conservação de genética de espécies da flora com melhoria da variabilidade genética a longo prazo. Para que esse projeto se transforme em realidade, o próximo passo é agendar uma reunião entre a coordenação executiva do IPÊ, Escas – Escola Superior de Conversação Ambiental e Sustentabilidade, principal frente educacional do IPÊ, e Unesp para ver o que pode ser concretizado de parceria entre as instituições na busca pela conservação de espécies, por meio das sementes melhoradas produzidas no Banco Ativo de Germoplasma (BAG) da Unesp de Ilha Solteira.



Troca de experiências – a visita dos professores e pesquisadores da Unesp (Universidade Estadual Paulista), dos Campus de Ilha Solteira e Botucatu, é a continuidade da troca de experiências que teve início no segundo semestre de 2023, com a ida da equipe de restauração florestal do IPÊ que atua no Pontal do Paranapanema junto com proprietários de viveiros à Fazenda de Ensino, Pesquisa e Extensão (FEPE). Tanto IPÊ como Unesp buscam por meio dessas trocas de aprendizados aprofundar conhecimentos e pesquisas relacionados às florestas restauradas.

FONTE: https://ipe.org.br/noticias/resultados-da-restauracao-florestal-no-pontal-do-paranapanema-mobilizam-pesquisadores-da-unesp/


quinta-feira, 25 de abril de 2024

Projeto de Lei 364/2019, que altera o Código Florestal, gera insegurança jurídica e ameaça os campos naturais do país

 A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 20, sem o devido debate, um texto que representa uma ameaça ao Código Florestal, à saúde dos ecossistemas e à segurança jurídica dos produtores rurais. Trata-se da subemenda substitutiva ao substitutivo do PL 364/2019. Um recurso protocolado contra a apreciação conclusiva nas comissões será votado em breve pelo plenário da Casa. A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura defende a reprovação do PL.

Em sua versão original, o projeto de lei propunha alterações na Lei de Proteção da Mata Atlântica, afetando a proteção dos Campos de Altitude do bioma. No novo formato, elaborado às vésperas do recesso parlamentar, o texto passou a alterar o Código Florestal, flexibilizando o conceito de “área rural consolidada” e permitindo a conversão da vegetação nativa para pastagens cultivadas ou qualquer outra plantação em todas as formações “predominantemente não florestais” do país. Trata-se de uma grave ameaça à vegetação nativa do Brasil, pondo em xeque a integridade de aproximadamente 48 milhões de hectares em todos os biomas do país, segundo nota técnica da Fundação SOS Mata Atlântica.

As mudanças propostas pelo PL 364/2019 infringem dispositivos centrais estabelecidos pelo Código Florestal, abrindo portas para uma nova judicialização no campo: o produtor rural, que deveria ter seu trabalho respaldado em um marco legal robusto, será novamente o principal prejudicado.

Em um contexto de urgência em separar os produtores regulares dos que atuam na ilegalidade e de garantir o acesso a mercados que exigem transparência nos pré-requisitos ambientais, a demora na implementação da legislação ambiental é mais um empecilho para a imagem e reputação dos produtores e da agropecuária brasileira.

A prosperidade do campo não depende da flexibilização de normas ambientais. A segurança jurídica, climática, hídrica e produtiva só serão alcançadas com o pleno cumprimento do Código Florestal. Por isso, a Coalizão é frontalmente contrária à reabertura de discussões relacionadas a ele. Esta medida provocaria uma insegurança jurídica imensa a atividades econômicas que envolvem o uso da terra no país.

É de suma importância para o país que o PL 364/2019 seja reprovado pelo Congresso Nacional.

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Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura é um movimento composto por mais de 380 organizações, entre entidades do agronegócio, empresas, organizações da sociedade civil, setor financeiro e academia.

Fonte: https://coalizaobr.com.br/posicionamentos/projeto-de-lei-364-2019-que-altera-o-codigo-florestal-gera-inseguranca-juridica-e-ameaca-os-campos-naturais-do-pais/

segunda-feira, 22 de abril de 2024

Mapas desenvolvidos com inteligência artificial confirmam baixos níveis de fósforo no solo da Amazônia

 

Distribuição espacial da concentração de fósforo total nos solos da Amazônia (crédito: imagem adaptada de Darela-Filho et al.,2024)


Luciana Constantino | Agência FAPESP – Com os impactos das mudanças climáticas afetando cada vez mais o cotidiano de moradores de vários países, entre eles o Brasil, a resiliência das florestas, especialmente tropicais, como a Amazônia, tem sido tema frequente de pesquisas. Além de estudar diversos fatores que influenciam a maneira como a vegetação reage ao aquecimento global, os cientistas buscam aprimorar os modelos de vegetação – que são ferramentas com papel crucial na compreensão e gestão dos ecossistemas, contribuindo para a conservação da biodiversidade e para o desenvolvimento sustentável.

E é exatamente essa combinação que está descrita em pesquisa publicada na revista Earth System Science Data por um grupo ligado a instituições brasileiras. O trabalho resultou em uma série de mapas que descrevem com maior precisão a quantidade das diversas formas químicas de fósforo no solo da Amazônia.

“Construídos” com base em nova metodologia baseada em inteligência artificial, os mapas confirmam que a região tem uma concentração muito baixa do mineral. O impacto disso é que a falta de fósforo afeta o ciclo de crescimento das espécies e pode, por exemplo, impedir que as árvores reajam ao aumento de gás carbônico associado às mudanças climáticas.

“Quando estávamos trabalhando em modelos de vegetação para entender comportamentos climáticos da Amazônia, percebemos que havia informações pontuais sobre as quantidades de fósforo no solo. Normalmente, nos métodos anteriores, esses mapas usavam apenas os tipos [classes] de solo como preditores do mineral. Vimos que seria necessário incluir outros atributos ambientais e, para isso, desenvolvemos uma nova técnica estatística, baseada em aprendizado de máquina a partir dos dados já existentes”, explica o pesquisador João Paulo Darela Filho, que atualmente faz pós-doutorado na Universidade Técnica de Munique (Alemanha).

Primeiro autor do artigo, Darela Filho começou a trabalhar no projeto quando estava no doutorado, finalizado em 2021. Sua pesquisa recebeu apoio da FAPESP por meio de dois projetos (17/00005-3 e 19/08194-5).

À época, seu foco era incluir no modelo Caetê os dados sobre ciclos de nutrientes, como nitrogênio e fósforo, importantes no entendimento do comportamento do crescimento das árvores. O Caetê, que na língua tupi-guarani significa “mata virgem”, é um algoritmo capaz de projetar o futuro da vegetação amazônica, apresentando cenários com transformações da floresta.

Primeiro desse tipo exclusivamente brasileiro, seu nome vem da sigla CArbon and Ecosystem functional-Trait Evaluation model, que em tradução livre é: modelo para avaliação de características funcionais de carbono e de ecossistema. Também teve apoio da FAPESP por meio do AmazonFACE, um programa que inclui experimento de campo e estuda como o aumento de dióxido de carbono (CO2) atmosférico afeta a floresta, sua biodiversidade e os serviços ecossistêmicos (leia mais em: agencia.fapesp.br/41424).

O Caetê foi desenvolvido pela equipe do Laboratório de Ciência do Sistema Terrestre, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenado pelo professor David Montenegro Lapola, que também é autor do artigo com Darela Filho.

“Os mapas elaborados sob a liderança do João Darela são um passo indispensável para avançarmos no entendimento de como florestas tropicais, que geralmente são limitadas por fósforo, vão reagir às mudanças climáticas e a outras perturbações humanas”, diz Lapola à Agência FAPESP.

Resultados

Os pesquisadores usaram dados de 108 locais da Amazônia. Aplicaram uma abordagem com base em modelos de regressão aleatória de floresta treinados e testados para a previsão de diferentes formas de fósforo – total, disponível, orgânico, inorgânico e ocluído (quando está ligado a outras substâncias). Utilizaram também informações dos tipos de solo de referência e outras propriedades, como geolocalização, quantidades de nitrogênio e carbono, elevação e inclinação do terreno, pH do solo, precipitação anual média e temperatura.

Os modelos de regressão de floresta apresentaram níveis de precisão média acima dos 64%, dependendo da forma de fósforo. Para o total do mineral, a precisão chegou a 77,3%.

O resultado da pesquisa mostrou que a concentração média de fósforo total encontrada no conjunto de dados analisados foi de 284,13 miligramas para cada quilograma de solo (mg kg−1). A quantidade é considerada baixa quando comparada à média global – de 570 mg kg−1. Ao analisar os mapas, detectou-se que os locais mais ricos em fósforo estão na fronteira entre os Andes e a Amazônia em contraste com os solos mais antigos das baixadas amazônicas, localizadas na região leste.

Os cientistas avaliam que os novos mapas podem ser úteis para parametrizar e avaliar modelos de ecossistemas terrestres, podendo, até mesmo, trazer respostas sobre a relação solo-vegetação na região amazônica.

“O aprendizado de máquina, com o uso da inteligência artificial, será cada vez mais aplicado na ciência, especialmente para projeções futuras. Nossos mapas podem ser usados por outros pesquisadores visando entender como serão as respostas da Amazônia frente às mudanças climáticas”, completa Darela Filho.

Um estudo internacional liderado por brasileiros, entre eles Lapola, e destacado na capa da revista Nature em fevereiro mostrou que quase metade da Amazônia caminha para um ponto de não retorno até 2050, ou seja, com as secas extremas e o desmatamento, a floresta deve perder sua resiliência.

A pesquisa estimou que entre 10% e 47% das áreas na região estarão expostas a perturbações e ameaças, podendo desencadear transições “inesperadas” nos ecossistemas e exacerbar as mudanças climáticas regionais. Foram considerados como situações de estresse o desmatamento acumulado, o aquecimento global, a quantidade de chuva anual no bioma, a intensidade da sazonalidade das chuvas e a duração da estação seca. O risco é a conversão do bioma em áreas de savana, incapazes de cumprir o papel de sequestro de carbono.

O artigo Reference maps of soil phosphorus for the pan-Amazon region pode ser lido em: https://essd.copernicus.org/articles/16/715/2024/.

E os mapas estão acessíveis em: https://redu.unicamp.br/dataset.xhtml?persistentId=doi:10.25824/redu/FROESE.

terça-feira, 16 de abril de 2024

Grupo internacional faz simulações capazes de descrever com precisão inédita o clima na América do Sul

 

Elton Alisson, de Chicago | Agência FAPESP – Um consórcio composto por pesquisadores de mais de dez países, incluindo Brasil, Estados Unidos e algumas nações europeias, está realizando simulações do clima do passado e do futuro na América do Sul com resolução sem precedentes. O objetivo é criar um modelo de visualização computacional que represente com maior acurácia os processos hidroclimáticos que ocorrem na região para ajudar os tomadores de decisão a implementar medidas mais efetivas de adaptação aos impactos da mudança climática.

O trabalho foi apresentado em um painel de discussão sobre clima durante a FAPESP Week Illinois, na semana passada, em Chicago (Estados Unidos).

“Agora, estamos começando a ser capazes de representar corretamente o hidroclima da América do Sul nas escalas necessárias”, disse Francina Dominguez, pesquisadora do Centro Nacional de Aplicações de Supercomputação da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign e coordenadora do projeto.

De acordo com Dominguez, a exemplo de todas as regiões do mundo, o clima na América do Sul está mudando. Têm sido registradas secas exacerbadas no sul da Amazônia, na região do Cerrado, no norte do Brasil e no Chile. Esse cenário tem afetado o rendimento agrícola, o abastecimento de água para reservatórios, a geração de energia hidrelétrica e impactado dezenas de milhões de pessoas nas grandes áreas metropolitanas de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Santiago do Chile, por exemplo.

As geleiras andinas, que são uma importante fonte de água, perderam 30% de sua área nos trópicos e até 60% no sul dos Andes, constituindo as mais altas taxas de perda de massa glacial do mundo. Por outro lado, o sudeste da América do Sul enfrenta o aumento das chuvas anuais e a intensificação de fortes precipitações desde o início do século 20.

“A América do Sul enfrenta duas forças gigantescas, que são as mudanças climáticas e no uso da terra, que têm ocorrido não só na floresta amazônica, mas também em outras áreas da região, como o Chaco, na Argentina. E também temos mudanças muito grandes tanto no clima global quanto no regional. Como resultado desses processos temos observado que os extremos climáticos estão mudando em todo o continente e isso põe em risco a segurança hídrica e alimentar de milhões de pessoas”, afirmou Dominguez.

As projeções climáticas futuras são baseadas em modelos climáticos globais, os chamados GCMs, na sigla em inglês. A despeito de terem avançado muito nas últimas décadas, essas representações conceituais do clima global são incapazes de capturar detalhes do hidroclima da América do Sul e apresentam distorções significativas, ponderou a pesquisadora.

Parte desse problema está relacionado com a resolução espacial grosseira desses modelos, cujo espaçamento de grades horizontais, que representam a terra e os oceanos, é da ordem de dezenas de quilômetros (km). Por isso, não conseguem representar corretamente processos que ocorrem em escalas menores e em regiões montanhosas, como chuva de relevo – que surge quando nuvens encontram obstáculos como serras e montanhas –, além de queda de neve acumulada em montanhas e geleiras.

“Por meio dos GCMs atuais não é possível ver topografias complexas e isso representa um problema na América do Sul, onde há os Andes e outras áreas com essa característica”, afirmou Dominguez.

Os GCMs também não conseguem representar realisticamente ciclones, jatos de baixo nível – estreita zona de ventos máximos que ocorre nos primeiros quilômetros da atmosfera – e tempestades de sistemas conectivos organizados.

“Em regiões da bacia do rio da Prata, assim como em São Paulo e outras grandes áreas urbanas e agrícolas na América do Sul, a convecção organizada é um dos mecanismos mais importantes de precipitação e não está corretamente representada nos modelos climáticos globais”, disse Dominguez.

Com base nessa constatação, os pesquisadores realizaram, por meio de um consórcio de pesquisa batizado de South America Affinity Group, duas simulações computacionais de modelo de pesquisa e previsão do tempo (WRF, na sigla em inglês de weather research and forecasting model), com alta resolução sem precedentes de espaçamento de grade de 4 km, representando climas históricos e futuros do continente.

O objetivo é empregar a simulação histórica para validar o modelo e compreender melhor as características hidroclimáticas do continente com maior nível de detalhe e usar a simulação climática futura para avaliar as alterações que devem ocorrer na América do Sul sob um clima mais quente.

“Esse é um grande esforço que envolve mais de cem cientistas, muitos deles do Brasil e, em grande parte, de São Paulo”, disse Dominguez.

Baixo desempenho computacional

De acordo com Kelvin Droegemeier, professor de ciências atmosféricas da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, nos últimos anos têm sido desenvolvidos modelos do sistema terrestre incrivelmente sofisticados, representando a atmosfera, o gelo, os oceanos e os ciclos biogeoquímicos, entre outros elementos.

Esses modelos requerem computadores muito poderosos para fazer as integrações de longo prazo. O problema, contudo, é que eles só conseguem atingir uma pequena fração da capacidade máxima das máquinas atuais.

“Os modelos atuais só atingem entre 2% e 3% de uma máquina exascale [tipo de computação de alto desempenho com capacidade cerca de mil vezes mais rápida do que a dos mais poderosos supercomputadores em uso]. É como se esses modelos fossem uma Ferrari ou um carro de corrida de Fórmula 1 e só pudessem ser dirigidos a uma velocidade de 25 quilômetros por hora”, comparou o pesquisador.

Além disso, os modelos apresentam problemas de resolução e de física e são incapazes de capturar detalhes, como processos que acontecem em regiões como a América do Sul. “Esses modelos têm muitos problemas, mas a culpa não reside neles e sim nos sistemas onde eles estão sendo executados”, ponderou Droegemeier.

A fim de avançar na capacidade computacional para rodar os modelos do sistema terrestre, a universidade norte-americana realizará um encontro internacional entre o fim de setembro e o início de outubro deste ano voltado a desenvolver um sistema computacional para ciência do sistema terrestre de fronteira em simulação e projeção climática.

“O objetivo será discutir sobre onde estão os sistemas computacionais que nos permitirão executar esses modelos em altíssima resolução global. Temos as partes interessadas, como fabricantes de chips como a NVIDIA e a Intel, em participar da discussão”, contou o pesquisador.

A universidade norte-americana também está desenvolvendo um conceito para criar um centro nacional de previsão de eventos extremos causados por mudanças climáticas e outro sobre ciência da previsibilidade e suas aplicações, anunciou Droegemeier.

O painel dedicado a estudos sobre o clima foi realizado no dia 10 de abril e também contou com a participação do professor da Universidade de São Paulo (USP) Marcos Buckeridge.

Mais informações sobre a FAPESP Week Illinois estão disponíveis em: fapesp.br/week/2024/illinois.



Marcos Buckeridge (em pé), Francina Dominguez e Kelvin Droegemeier (foto: Elton Alisson/Agência FAPESP)

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Restauração de áreas degradadas no semiárido promove a ‘volta’ de microrganismos do solo, mostra estudo

 

Luciana Constantino | Agência FAPESP – Estratégias aplicadas na restauração de áreas degradadas têm mostrado resultados promissores em terras do semiárido brasileiro, melhorando também as propriedades microbianas do solo e contribuindo para a volta de serviços ecossistêmicos nativos. Entre essas técnicas estão a retirada ou a restrição do acesso de gado a determinadas regiões de pasto; o cultivo de espécies para cobertura vegetal e a adoção de terracing, um procedimento que modifica a topografia em encostas ou inclinações para controlar a erosão.

Com a recuperação das propriedades microbianas do solo, além do importante papel de manutenção da biodiversidade, a produtividade melhora, contribuindo com uma produção agropecuária sustentável. Esses são os resultados apontados em pesquisa publicada no Journal of Environmental Management por um grupo de cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e das Federais do Piauí (UFPI), do Ceará (UFC) e do Agreste de Pernambuco (Ufape). Os pesquisadores fizeram uma revisão de 18 estudos desenvolvidos no semiárido, concentrado na Caatinga.

No Brasil, 16% do território é suscetível à desertificação. São mais de 1.400 municípios (de um total de 5.570), distribuídos nos nove Estados da região Nordeste. Englobam cerca de 35 milhões de brasileiros.

Além disso, a biodiversidade da Caatinga é variada, composta de quase 600 espécies de aves, 240 de peixes, mais de 170 de mamíferos, entre outras. No bioma, os agricultores familiares estão entre os mais expostos ao risco climático, e os municípios onde eles se concentram registraram perdas de produção nas últimas três décadas.

Segundo estudo do Climate Policy Initiative da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio), o aumento da seca na Caatinga provoca uma queda maior na produtividade do feijão (16%) e do milho (35%), por exemplo, em comparação aos demais biomas (6% e 16%, respectivamente). No caso da pecuária, a queda de 9% na produtividade na região se contrapõe ao aumento de 1% nos outros biomas.

“Buscamos entender o microbioma e suas funções para, a partir daí, enxergar ferramentas que auxiliem a recuperação de áreas degradadas no semiárido. Vimos que as técnicas de restauração têm feito com que a biodiversidade microbiana volte e, consequentemente, haja a retomada de funções e serviços ecossistêmicos mais similares ao que eram naturalmente”, explica à Agência FAPESP o professor Lucas William Mendes, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena-USP).

Um dos autores do artigo, Mendes recebe apoio da FAPESP por meio de dois projetos (19/16043-7 e 20/12890-4).

Para entender

O microbioma é a coleção de todos os microrganismos, seus materiais genéticos, funções e relação com o ambiente. Inclui bactérias, fungos, arqueias, protistas e vírus encontrados no solo. Desempenha importante papel na ciclagem de nutrientes, na decomposição de matéria orgânica, além de estar ligado à emissão de gases de efeito estufa e correlacionado com a saúde do solo, refletindo, assim, nas plantas.

Alguns microrganismos envolvidos na formação e estabilização de matéria orgânica rica em carbono contribuem para o sequestro do gás e ajudam a mitigar os efeitos das mudanças climáticas. “Compreendendo como alguns microrganismos vivem e contribuem para o crescimento de plantas em área seca, é possível descobrir novos inoculantes visando o desenvolvimento de vegetação nessas regiões”, afirma Mendes.

Por isso, entender como as técnicas de restauração mexem com o microbioma permite não só compreender como está a qualidade da terra, mas também reduzir o uso de insumos artificiais e melhorar a agricultura por meio do potencial biotecnológico.

A produção agropecuária sustentável vem ganhando cada vez mais destaque e, neste ano, é um dos focos do grupo de trabalho que vai tratar de questões ligadas aos sistemas agrícolas no G20. Formado pelas 19 maiores economias do mundo mais a União Africana e a União Europeia, o G20 está sob a presidência do Brasil desde o final do ano passado, e a Cúpula de Líderes será realizada em novembro, no Rio de Janeiro.

Para os professores Erika Valente de Medeiros e Diogo Paes da Costa, da Ufape e autores do artigo, as pesquisas podem fornecer subsídios para orientar a formulação de políticas públicas direcionadas ao desenvolvimento sustentável e à mitigação dos impactos da desertificação. “Essas iniciativas são fundamentais, especialmente ao incorporar o conceito de saúde global, que reconhece a interdependência entre a saúde dos ecossistemas, a diversidade microbiana do solo e o bem-estar humano”, complementa Medeiros.

Impactos

No artigo, os pesquisadores mostraram que a desertificação no semiárido brasileiro é influenciada por fatores naturais – baixa pluviosidade da região, as altas taxas de evaporação e os solos frágeis – e atividades humanas insustentáveis – como a criação de gado ou uso para agricultura sem o manejo adequado. “O estudo é importante porque mostra o efeito negativo da desertificação e indica práticas efetivas de restauração para recuperação da diversidade microbiana no solo”, avalia o engenheiro agrônomo Ademir Sérgio Ferreira de Araújo, primeiro autor do artigo e professor na UFPI.

Adotando técnicas moleculares, como metagenômica e metatranscriptômica, foi possível fazer o monitoramento e a avaliação dos impactos dos esforços de restauração para o microbioma do solo.

Nas áreas em que houve a cobertura com nova vegetação, foram usados o cânhamo (Crotalaria juncea) e o capim-mombaça (Panicum maximum) – planta de origem africana, disseminada nas regiões tropicais e subtropicais, com alta produtividade de massa verde por hectare e elevado teor de proteína bruta, o que o torna um alimento de qualidade para o gado. “Com cobertura das plantas, que muda a química do solo, conseguimos ver que há melhora na pastagem da região, podendo ampliar a quantidade de cabeças de gado por hectare, aumentando a produtividade”, diz Mendes.

Já as áreas de terracing ajudaram a controlar a erosão, conservar a água e facilitar a agricultura. “É importante lembrar que a restauração das propriedades microbianas do solo é um processo complexo e demorado, exigindo compromisso e monitoramento de longo prazo. Daí a importância de cada vez mais estudos nesta área”, completa.

O pesquisador também é um dos autores de outro trabalho publicado em janeiro na revista Plant and Soil, que destaca a necessidade de adoção de técnicas de restauração de ecossistemas que integrem abordagens biológicas com variáveis ambientais – propriedades de ecossistemas, condições climáticas e tipos de solo.

Liderado pelo pesquisador Brajesh Singh, da Western Sydney University (Austrália), e com olhar global, o estudo propõe que, para apoiar essa abordagem, haja a integração de novas ferramentas computacionais e de satélite com potencial para facilitar a implementação da gestão, do monitoramento e da restauração de ecossistemas.

Parceria

O professor Arthur Prudêncio de Araújo Pereira, da UFC, destaca que os próximos passos serão desenvolvidos por meio do projeto Caatinga Microbiome Initiative (CMI), uma iniciativa interinstitucional, criada em 2022, que envolve mais de 20 professores e pesquisadores do Brasil e do exterior, com o objetivo de estudar o microbioma da Caatinga e sua relação com a saúde do solo.

“Conhecemos muito pouco sobre o papel do microbioma de solos da Caatinga, principalmente em áreas em desertificação. Por isso a importância da condução de experimentos no âmbito do projeto.”

O artigo From desertification to restoration in the Brazilian semiarid region: Unveiling the potential of land restoration on soil microbial properties pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0301479723025343?via%3Dihub.
 

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Eucalipto é capaz de armazenar grandes quantidades de carbono

  • Pesquisa registrou fixação de mais de 674 toneladas de carbono por hectare proporcionadas pela espécie.
  • Mais uma vez, trabalho de pesquisa demonstra que florestas são capazes de reduzir circulação de gases de efeito estufa na atmosfera.
  • Plantios podem ser usados para compensação de emissões.
  • Pesquisa também avaliou a quantidade de carbono armazenado por espécies de árvores nativas do Cerrado.
  • Resultados reforçam papel de florestas, nativas e plantadas, de acumular carbono e mitigar as mudanças no clima.

 

Estudo coordenado pela Embrapa Cerrados (DF) em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) mostra que os plantios de povoamentos de eucalipto podem armazenar grandes quantidades de carbono na biomassa da parte aérea e no solo, assim como as áreas de Cerrado nativo, contribuindo para a mitigação de gases de efeito estufa (GEE), em especial o gás carbônico (CO2). Os resultados indicam elevados níveis de carbono em plantios de eucalipto e em uma área de vegetação natural analisados (acima de 183,99 toneladas por hectare - t/ha), acumulado principalmente no solo, demonstrando que a espécie pode contribuir para a fixação de mais de 674,17 t/ha de CO2.

As árvores, tanto naturais como plantadas, podem atuar como drenos de carbono, pois fixam grande quantidade de carbono pelo processo da fotossíntese e o alocam na biomassa da parte aérea (tronco e copa), nas raízes e na adição de resíduos orgânicos ao solo. Pesquisas sugerem que as florestas, de modo geral, têm papel fundamental não apenas no ciclo do carbono, mas também podem contribuir para minimizar o aquecimento global reduzindo a circulação de GEE como o óxido nitroso (N2O), o metano (CH4) e o gás carbônico (CO2).

“Nesse sentido, a remoção de GEE da atmosfera por plantios florestais em savanas deve ser considerada, se não para longo prazo, pelo menos para compensações de carbono no curto prazo. No caso de povoamentos de eucalipto, o corte é realizado aos 7, aos 14, e aos 21 anos do plantio para papel e celulose, que é o principal uso no Brasil”, aponta o pesquisador da UnB Alcides Gatto, um dos autores do trabalho.

De acordo com o Relatório Anual 2022 da Indústria Brasileira de Árvores, o Brasil tem uma área aproximada de 10 milhões de hectares de florestas plantadas, sendo 76% plantações de eucalipto destinadas a diversos fins comerciais, desde a produção de carvão, papel e celulose, mourões para cerca, postes de eletrificação e madeira para móveis e construção civil, com ciclos do plantio ao corte variando de cinco a vinte anos, dependendo do destino da madeira produzida.

A pesquisadora da Embrapa Alexsandra de Oliveira lembra que há diversos estudos sobre estoque de carbono no solo e mitigação de GEE em áreas de Cerrado convertidas em lavouras ou pastagens. Por outro lado, apesar da expansão da cultura do eucalipto no bioma, ainda há pouca informação quanto ao impacto dos plantios sobre os estoques de carbono e as emissões de GEE.

Além disso, os pesquisadores apontam que muitas pesquisas estão restritas a mensurações do carbono na biomassa do solo e acima do solo, enquanto havia uma lacuna em estimar a quantidade de carbono nos diferentes compartimentos de plantios de eucalipto, como raízes e biomassa morta no Cerrado.

“Dada a importância das florestas na fixação de carbono, e como nos ecossistemas terrestres a vegetação e o solo são os principais drenos de carbono, informações sobre o carbono acima do solo e nas raízes são essenciais para reduzir incertezas em métricas regionais sobre áreas de plantio de eucalipto no Cerrado, além de alimentarem modelos nacionais de armazenamento de carbono e mudanças climáticas”, completa Eloisa Ferreira, pesquisadora da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF).

Assim, o estudo buscou quantificar o estoque de carbono e a biomassa por compartimentos em plantios de eucalipto (híbrido Eucalyptus urophylla x Eucalyptus grandis) de diferentes idades e estimar, por métodos diretos e indiretos, a biomassa e o estoque de carbono de uma área com vegetação nativa de Cerrado. O trabalho foi realizado na zona rural do Paranoá (DF), em áreas vizinhas com dois plantios de eucalipto – uma com o clone EAC1528 de quatro anos e outra com o clone GG100 de seis anos – e uma área de Cerradão, uma das formações vegetais de Cerrado.

Carbono das árvores

A equipe realizou um inventário florestal para estudar a composição florística da área de Cerrado nativo. Foram encontradas 84 espécies de 41 famílias botânicas. As espécies nativas mostraram diferentes capacidades de armazenamento de biomassa e carbono. O pau-terra (Qualea grandiflora), com 161 árvores/ha, foi a espécie que estocou mais carbono, 2,87 t/ha (13% do total), cerca de 17,88 kg/ha de carbono por árvore. Por outro lado, o pau-terrinha (Q. parviflora), com 24 árvores/ha, foi a espécie que mais estocou carbono por indivíduo: 77,88 kg/ha.

Para a biomassa e o carbono acumulado na parte aérea das árvores, foi observado que a madeira foi o componente com a maior contribuição (81,35% no plantio mais jovem e 88,46% no eucalipto mais velho). Segundo os pesquisadores, no eucalipto, a madeira é a parte da planta que mais acumula biomassa e carbono, sendo que nas demais partes, como a casca, folhas e galhos, o acúmulo pode variar de acordo com as características da área estudada.

O estoque de biomassa e o armazenamento de carbono aumentaram com a idade do plantio das árvores. No de quatro anos, o carbono e a biomassa acumulados na parte aérea foram respectivamente de 62,1 t/ha (27,5% do total) e 141,1 t/ha, enquanto no plantio com seis anos foram de 81,7 t/ha (37,78% do total) e 189,7 t/ha.

Carbono no solo e nas raízes

A principal reserva de carbono nas três áreas estudadas está no solo, que fixou cerca de 68%, 58% e 84% do carbono total, respectivamente, nas áreas de eucalipto de quatro anos, de eucalipto de seis anos e de Cerrado nativo. Foi observado que a concentração total de carbono no solo diminui exponencialmente com a profundidade.

 

Detalhes da pesquisa

A pesquisadora Karina Pulrolnik, da Embrapa Cerrados, explica que a maior concentração de carbono na camada superficial (0 a 5 cm) se deve à deposição de material orgânico e à lenta decomposição em florestas plantadas e naturais, ricas em lignina e com uma alta relação carbono/nitrogênio, fatores que aumentam o tempo de decomposição da serapilheira e os níveis de carbono no solo. A densidade das raízes finas também contribui para o aumento dos níveis de carbono no solo, mesmo naqueles com baixa fertilidade natural, como os de Cerrado.

Do total de carbono encontrado no perfil do solo de 0 a 100 cm de profundidade, a camada de 0 a 30 cm representou 48% do total na área de plantio de eucalipto de quatro anos, 50% no plantio de eucalipto de seis anos e 52% no Cerrado nativo. As áreas de plantio de eucalipto com quatro anos de idade (154,23 t/ha) e de Cerrado nativo (154,69 t/ha) estocaram as maiores quantidades de carbono para todas as camadas de solo estudadas. Ou seja, após quatro anos da implantação do eucalipto, não houve redução de carbono no solo, enquanto o plantio de eucalipto de seis anos apresentou os menores valores de carbono no solo (126,26 t/ha).

“O plantio de eucalipto de quatro anos pareceu ter reposto os estoques de carbono do solo no primeiro metro de profundidade, apesar de algumas perdas que possam ter ocorrido logo após o estabelecimento. Por outro lado, uma perda significativa de carbono no solo de 18% (28,43 t/ha) foi observada devido ao uso alternativo, onde uma área natural similar foi convertida em agricultura, principalmente lavoura de soja e, anos depois, transformada em um plantio de eucalipto de seis anos”, comenta Alexsandra de Oliveira.

Ela acrescenta que estudos científicos mostram diminuição nos níveis de carbono nos primeiros anos de conversão da vegetação natural para outros tipos de uso do solo, como lavouras de grãos, período em que uma proporção significativa de carbono do solo que estava fisicamente protegida em agregados estáveis é abruptamente oxidada, resultando na mineralização e na perda para a atmosfera sob a forma de CO2.

As raízes tiveram menor contribuição para o armazenamento total de carbono – 4,9 t/ha na área com eucalipto de quatro anos, 1,9 t/ha no eucalipto de seis anos e 3,1 t/ha no Cerrado nativo, considerando uma profundidade de 0 a 60 cm de profundidade, o que representa, respectivamente, 2,16%, 0,88% e 1,68% do carbono total nas áreas.

Assim, enquanto o eucalipto de seis anos teve o maior estoque de carbono na parte aérea, no eucalipto de quatro anos ocorreu o maior estoque de carbono nas raízes. Os pesquisadores apontam que a menor quantidade de raízes superficiais no plantio mais antigo pode estar relacionada à proporção de raízes que cresceram em profundidade à medida que a idade do plantio aumentava.

Eucalipto jovem estocou mais carbono

Apesar dos diferentes resultados de dinâmica de carbono entre os componentes das árvores, das raízes e do solo nas três áreas avaliadas, os estoques totais de carbono foram maiores no plantio de eucalipto mais jovem, com quatro anos de idade (226,23 t/ha), possivelmente em função da maior produção de biomassa nos estágios iniciais de crescimento – com o passar dos anos, o crescimento da planta diminui. Mas esse resultado, segundo os autores, indica a necessidade de mais estudos em escala de plantios comerciais e com diferentes idades para confirmar as similaridades dos dados encontrados nesse trabalho.

Os pesquisadores destacam a notável capacidade das espécies florestais, nativas ou plantadas, em fixar o gás carbônico (CO2), sempre apresentando saldo positivo (veja a ilustração), mesmo descontando as perdas por respiração, morte das plantas e retorno gradual do CO2 fixado inicialmente para a atmosfera. Eles lembram, no entanto, que o carbono estocado é mantido nas árvores enquanto vivas, na serapilheira e na matéria orgânica do solo por décadas e até milhares de anos em formas orgânicas estáveis no solo.

“Isso valida a importância de florestas nativas e plantadas como drenos de GEE, em especial o CO2, pois mitigam as mudanças climáticas, mostrando relevância para a sustentabilidade local e para a geração de mercado de carbono”, finaliza a engenheira-florestal Fabiana Piontekowski Ribeiro, doutoranda pela UnB à época da pesquisa.

 

Os autores do estudo

A publicação, que está disponível na integra aqui, é assinada por Fabiana Piontekowski Ribeiro, Alcides Gatto, Alexsandra Duarte de Oliveira, Karina Pulrolnik, Marco Bruno Xavier Valadão, Juliana Baldan Costa Neves Araújo, Arminda Moreira de Carvalho e Eloisa Aparecida Belleza Ferreira.

 

Breno Lobato (MTb 9.417/MG)
Embrapa Cerrados

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Pouco mais de mil espécies representam metade das árvores tropicais do planeta, aponta estudo

 

André Julião | Agência FAPESP – A imensa maioria das cerca de 46 mil espécies de árvores tropicais é extremamente rara, não passando de 10% dos indivíduos desse bioma. Por outro lado, metade das árvores dos trópicos pertence a apenas 1.053 espécies (ou 2,24%). As estimativas foram apresentadas em artigo publicado na revista Nature, assinado por um consórcio internacional de pesquisadores, incluindo um brasileiro apoiado pela FAPESP.

“As espécies dominantes têm papel fundamental na estrutura da floresta. Elas proveem recursos para outras plantas, fungos e animais. Uma das contribuições do estudo foi apontar algumas poucas espécies que representam uma grande parte dos indivíduos. Com isso, podemos fazer medições e ter estatísticas mais confiáveis de como o ecossistema funciona”, explica Bruno Garcia Luize, que realizou o trabalho como parte de seu pós-doutorado no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp), com bolsa da FAPESP.

Os autores utilizaram bancos de dados públicos sobre a composição de porções de floresta na Amazônia, África e Sudeste Asiático. Normalmente com um hectare, essas áreas são chamadas de parcelas. Uma parte das parcelas amazônicas analisadas no estudo foi estabelecida e teve os dados incluídos nos bancos de dados por Luize, durante o mestrado no Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, e no doutorado no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), em Rio Claro, também com bolsa da FAPESP.

No total, 1.097 parcelas na Amazônia, 368 na África e 103 no Sudeste Asiático foram analisadas, totalizando uma amostragem de pouco mais de 1 milhão de árvores com diâmetro de pelo menos 10 centímetros em grandes maciços florestais. Do total de árvores, 93,3% foram identificadas por espécie.

“Na Amazônia, estamos bem avançados nessas redes de inventários florestais colaborativos, que possibilitam fazer inferências e extrapolações como essa. Com os dados de outras florestas tropicais, temos agora uma dimensão mais global”, conta o pesquisador.

Hiperdominantes

Além de determinar a porcentagem de espécies hiperdominantes, como são chamadas as que compõem metade dos indivíduos de cada floresta tropical, os pesquisadores conseguiram determinar os nomes das mais prováveis de serem as mais comuns em cada uma das áreas analisadas.

Na Amazônia, por exemplo, algumas das possíveis hiperdominantes identificadas foram o matamatá (Eschweilera coriacea), com casca grossa e que pode chegar a 35 metros de altura; duas espécies de açaí (Euterpe oleracea e E. precatoria), conhecido pelo fruto e pelo palmito bastante consumidos no Brasil; e o parapará (Jacaranda copaia), única espécie de jacarandá amplamente distribuída na Amazônia.


Árvores do gênero Eschweilera foram listadas como as espécies possivelmente mais comuns na Amazônia (foto: Dick Culbert/Wikimedia Commons)

Entre as árvores amazônicas, as hiperdominantes são 2,2% das espécies. As mesmas proporções foram observadas na porção coberta de floresta tropical do continente africano, nas partes oeste, central e leste (2,2% das espécies representam 50% de todas as árvores), e no Sudeste Asiático, do Myanmar, no oeste, a Sulawesi, no leste da Ásia (2,3%). A consistência na proporção de espécies hiperdominantes chamou a atenção dos pesquisadores por indicar uma quantidade razoável de espécies que podem ser mais bem conhecidas em curto a médio prazo.

Segundo as estimativas, 299 espécies compõem 50% dos 344 bilhões de árvores presentes na Amazônia. Na parte tropical do continente africano, são 104 espécies compondo metade dos 113 bilhões de árvores tropicais em dosséis fechados. Para o Sudeste Asiático, os pesquisadores chegaram ao número de 278 espécies responsáveis por metade dos 129 bilhões de árvores.

Luize ressalva que não entraram no estudo outras florestas tropicais, como a Mata Atlântica e a floresta de Chocó, na América do Sul, além de dados da América Central, Nova Guiné e Micronésia, não disponíveis durante a execução do estudo. Uma estimativa mais robusta será possível, conta, quando essas regiões forem incluídas.

O pesquisador lembra, porém, que o levantamento traz importantes indicações de espécies que podem ser foco de estudos de autoecologia, em que se analisa como interagem com outras espécies e o ambiente.

“Isso sem contar estimativas de armazenamento de carbono dessas árvores, informação essencial para os cálculos de emissão e captura dos gases de efeito estufa responsáveis pelas mudanças climáticas”, explica.

Segundo Simon Lewis, professor da University College of London e um dos coordenadores do estudo, focar em algumas centenas de árvores comuns, em vez dos milhares de espécies sobre as quais não se conhece quase nada, pode possibilitar novas maneiras de entender as florestas tropicais.

“Isso não quer dizer renegar a importância das espécies raras, elas precisam de atenção especial para serem protegidas. Porém, ganhos rápidos e importantes em conhecimento devem vir das pesquisas sobre as espécies mais comuns”, disse o pesquisador em um informe à imprensa.

Coordenado por pesquisadores da universidade britânica, o trabalho tem 356 autores. Além de Luize, participaram pelo Brasil cientistas do Inpa, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Universidade de São Paulo (USP) e Unicamp, além de universidades e institutos de pesquisa federais e estaduais em Estados amazônicos e em outras regiões do Brasil.

O artigo Consistent patterns of common species across tropical tree communities pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41586-023-06820-z.
 

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Projeto promove preservação de remanescentes de Mata Atlântica em propriedades rurais

 

Elton Alisson | Agência FAPESP – Nos últimos quatro anos, a área de vegetação nativa ameaçada de extinção ocupada por 547 propriedades rurais localizadas no corredor sudeste da Mata Atlântica, na bacia do rio Paraíba do Sul, caiu de 1,3 mil para 490 hectares – uma redução de quase 38%. Já a área de vegetação nativa livre de ameaça nessas propriedades, que abrangem 20,2 mil hectares da região que se estende pelos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, aumentou de 8.507 hectares em 2019 para 9.547 hectares em 2023 – uma alta de mais de 11%.

Os resultados foram obtidos por meio de um projeto pioneiro executado entre 2017 e 2023, que concedeu incentivos econômicos para produtores rurais adotarem práticas de conservação e proteção do solo na gestão de suas propriedades.

Batizado de Conexão Mata Atlântica, o programa, apoiado pela FAPESP e executado em São Paulo pela Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil) e a Fundação Florestal, serviu de laboratório para testar diferentes abordagens de aplicação de pagamento por serviços ambientais (PSA) que serão incorporadas em políticas ambientais do Estado.

“O programa Conexão Mata Atlântica é um exemplo de como é possível olhar uma cadeia como um todo, gerar renda e emprego e, ao mesmo tempo, preservar e recuperar vegetação nativa, tornando o PSA um instrumento ainda maior do que foi concebido para ser. Precisamos dar escala para todo o Estado de São Paulo para esse mecanismo, que é muito potente”, disse Natália Resende, secretária estadual do Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, durante um evento de apresentação de resultados do projeto realizado em janeiro.

A iniciativa é resultado de um edital lançado em 2011 pelo Global Environment Facility (GEF) – um dos maiores financiadores de projetos ambientais no mundo – voltado à criação de um novo programa de preservação do clima por meio da concessão de linhas de crédito com foco na proteção, restauração e gestão de áreas no entorno de unidades de conservação. Outro objetivo do edital era o de promover a alteração do uso do solo em áreas rurais degradadas visando aumentar o estoque de carbono, melhorar a produtividade rural e a infiltração das águas, conter processos erosivos e reduzir a velocidade de vazão das águas, de modo a contribuir para minimizar enchentes como as que ocorreram em São Luiz do Paraitinga em dezembro de 2010.

À época diretor do Departamento de Políticas e Programas Temáticos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Carlos Joly, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos idealizadores do Programa BIOTA-FAPESP, propôs que o órgão submetesse uma proposta de projeto ao edital com foco na região do Vale do Ribeira.

“A ideia foi que, se conseguíssemos demonstrar que era possível promover a conservação e a restauração de serviços ecossistêmicos naquela região, esse modelo de programa poderia ser replicado em qualquer outro lugar”, explicou Joly.

Com base nessa ideia, em 2012 o MCTI e o Estado de São Paulo, por meio da Semil, a Fundação Florestal e a FAPESP, decidiram propor um projeto que unisse a mitigação das mudanças climáticas e o apoio à biodiversidade em uma mesma ação com foco no corredor sudeste da Mata Atlântica e tendo o Vale do Ribeira como território.

A Semil e a Fundação Florestal se propuseram a trabalhar diretamente com produtores rurais na região por meio da concessão de PSA, de Certificação Orgânica, Agroecológica e Florestal (Cert) e a indução da Cadeia de Valor Sustentável (CVS) em municípios com área com pastagens degradadas considerável e na zona de amortecimento do Parque Estadual Serra do Mar em dois de seus núcleos: Santa Virgínia e Itariru, na Estação Ecológica de Bananal e na área de proteção ambiental de São Francisco Xavier, distrito de São José dos Campos, na Região Metropolitana de São Paulo. Já a FAPESP financiou a realização de projetos de pesquisa sobre temas como de que forma a coexistência humano-fauna sustenta os serviços ecossistêmicos em áreas de conservação.

“Nosso objetivo de criar um projeto de restauração e conservação em São Paulo que servisse de exemplo de fato aconteceu. O Conexão Mata Atlântica engajou as pessoas, trouxe benefícios ambientais enormes e mudou a vida de muitos pequenos produtores da região”, avaliou Joly.

Os Estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, por também serem integrantes da bacia do Rio Paraíba do Sul, foram convidados a participar da elaboração e implementação do projeto. Cada um deles propôs implementar ações específicas para promover a conservação da biodiversidade e a recuperação dos estoques de carbono em áreas frágeis.

“Por meio do projeto foi possível aplicar ferramentas de incentivo econômico para que as propriedade rurais passassem a ser geridas adotando práticas de conservação e proteção do solo, promovendo a restauração ambiental, contribuindo para a proteção de hábitats, a coexistência com a fauna nativa, a fixação de carbono e a manutenção de biodiversidade protetora contra as pragas da lavoura. Dessa forma, foi possível transformar produtores rurais em provedores de serviços ambientais”, afirmou Luiza Saito, coordenadora do Conexão Mata Atlântica.

Diferentes modalidades

No total, foram investidos US$ 31,5 milhões, sendo US$ 16,56 milhões somente em São Paulo. Foram firmados mais de 1,7 mil contratos que beneficiaram mais de 950 produtores, de 20 municípios do Estado de São Paulo distribuídos pelo Vale do Paraíba do Sul, Vale do Rio Ribeira do Iguape e a Baixada Santista. Entre eles Aparecida, Cachoeira Paulista, Cruzeiro, Guaratinguetá, Lorena, Paraibuna, São Luiz do Paraitinga e Taubaté.

Um dos principais instrumentos adotados no programa foi o PSA, por meio do qual os produtores rurais receberam recursos de acordo com os serviços ambientais prestados a partir da preservação e restauração da vegetação nativa, além de técnicas sustentáveis na área. Ao todo, foram selecionados 939 projetos, que abrangeram 11.972 hectares.

Para liberar os recursos, os técnicos participantes do projeto avaliaram aspectos como a mudança de uso do solo por meio da promoção de melhorias dos sistemas de produção agropecuária mais sustentáveis; incentivo à adoção de práticas conservacionistas nas propriedades, tais como saneamento rural, compostagem, cercamento para condução da regeneração natural e bebedouros para o rebanho fora dos corpos d’água, entre outros quesitos.

“Depois de aderir ao projeto, os produtores rurais só receberam o PSA se de fato fizeram alguma melhoria na propriedade. Eles também receberam pelo serviço ambiental que já prestavam antes de o projeto iniciar. Daí para frente só reconhecemos eventuais novos serviços ambientais que começaram a prestar”, explicou Helena Carrascosa, responsável pela unidade de gestão de projetos da Semil.

Por meio do incentivo da pastagem manejada adequadamente, com pastejo rotacionado, diversificação de forrageiras e introdução de árvores nativas no sistema, foi possível atingir uma grande redução da área de pastagem degradada na região.

“Observamos logo no primeiro ano do projeto que a área sob manejo rotacionado passou a ser maior do que a de pastagem degradada. A expectativa é que essa tendência se mantenha e que a pastagem degradada possa até mesmo desaparecer”, disse Carrascosa.

A área de 4.260 hectares ocupada por pastagem representa 25% da área total dos imóveis rurais participantes do PSA uso múltiplo. Nos municípios de São Luiz do Paraitinga e Natividade da Serra, contudo, a participação atinge 35% e 41%, respectivamente.

Se por um lado a agropecuária é um setor que emite gases de efeito estufa (GEE) e contribui para o empobrecimento ecológico de hábitat, por outro os produtores rurais estão entre os primeiros a serem impactados pelo desequilíbrio climático. Por isso, os produtores rurais têm papel central no processo de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, ponderam pesquisadores participantes do projeto.

“O projeto realça o papel central do produtor nesse processo, investindo em capacitação e assistência técnica nas propriedades”, disse Carrascosa.

Acesso ao mercado

Os produtores rurais também receberam capacitação para obter certificação de produtos, de modo a obter acesso ao mercado de orgânicos.

As certificações asseguram o emprego de práticas sustentáveis no cultivo e manejo. No cômputo geral, foram 155 certificações em oito municípios, totalizando 4.360 hectares de área certificada.

“Esse é o primeiro grupo que se conhece de pequenos manejadores com certificação para conservação da Mata Atlântica. Já há experiências similares para a Amazônia, mas esse é o primeiro grupo que se mobilizou para atender todos os padrões de certificação para conservação da Mata Atlântica sem estar associado a uma cadeia produtiva”, disse Claudette Hahn, coordenadora desse componente do projeto.

Outro instrumento empregado no projeto foi o de Cadeias de Valor Sustentável (CVS), voltado a incentivar o cultivo e o beneficiamento de produtos típicos da Mata Atlântica, como frutas nativas, mel de abelhas, leite e hortaliças produzidos em sistemas agroflorestais (SAF).

Ao todo, 202 propriedades foram beneficiadas, sendo 73 ligadas a frutas, 41 produtoras de leite, 30 especializadas em mel e mais 18 olerícolas (produtoras de leguminosas).
 

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

No Cerrado, diversificação de lavouras tem efeito benéfico sobre a fauna e reduz presença de javali

 

André Julião | Agência FAPESP – Nada substitui o Cerrado nativo, mas numa região agrícola consolidada como o nordeste do Estado de São Paulo trocar grandes áreas de monocultura por lavouras diversificadas pode ter um efeito benéfico para os mamíferos ainda remanescentes nessas áreas. Além disso, ajuda a controlar espécies invasoras que causam prejuízos aos produtores rurais, como os javalis.

Esta é uma das conclusões de um estudo publicado no Journal of Applied Ecology por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) apoiados pela FAPESP.

O trabalho analisou a presença de mamíferos nativos e exóticos em 55 paisagens de 200 hectares. A cobertura do solo foi verificada ainda em 3 mil hectares que circundavam cada uma delas. No total, uma área de 34 mil quilômetros quadrados foi incluída no estudo, da qual fazem parte cerca de 80 municípios paulistas.

Entre 2017 e 2018, o grupo percorreu cada uma das paisagens e buscou por rastros deixados pelos mamíferos (pegadas, fezes e outros sinais), além de instalar câmeras em áreas de vegetação nativa.

“As paisagens tinham composições mais ou menos heterogêneas, com porções de vegetação nativa, monocultura e lavouras diversas. Assim, nós conseguimos correlacionar o grau de heterogeneidade da paisagem com a presença ou ausência de mamíferos nativos e exóticos”, explica Marcella do Carmo Pônzio, primeira autora do artigo, que atualmente faz doutorado no Instituto de Biociências (IB) da USP.

O impacto da heterogeneidade da paisagem foi equivalente a 80% do efeito que as áreas de Cerrado da região têm sobre o número de espécies nativas naquele contexto. Além disso, a diversificação da cobertura do solo reduziu em 27% a quantidade de espécies invasoras, como o javali.


Área de monocultura com vegetação nativa ao fundo: hectares contínuos de plantação, como cana-de-açúcar e café, são os mais prejudiciais para a fauna e os serviços ecossistêmicos (foto: Adriano Chiarello/FFCLRP-USP)

“Ainda que espécies mais sensíveis, como a onça-pintada, tenham desaparecido, uma maior complexidade da paisagem pode proporcionar mais espécies nativas, como onças-pardas e tatus, por exemplo, e menos desses invasores. Nas monoculturas com pouca vegetação nativa, por outro lado, javalis prevalecem”, completa Pônzio, que obteve parte dos resultados durante período em que teve bolsa da FAPESP na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP.

O estudo integra o projeto “Ocorrência de mamíferos e invasão biológica em remanescentes de Cerrado de paisagens agrícolas”, apoiado pela FAPESP e coordenado por Adriano Garcia Chiarello, professor da FFCLRP-USP que orientou o mestrado de Pônzio.

“Na maior parte das propriedades da área estudada nem sequer se cumpre o Código Florestal”, conta Chiarello. A lei determina a conservação de 20% de vegetação nativa em propriedades no Cerrado, mais as áreas de preservação permanente (APPs), como margens de rio e topos de morro.

Segundo o pesquisador, ainda que a regra fosse cumprida, essa porcentagem não é suficiente para a manutenção da fauna e de serviços ecossistêmicos, como provisão de água, estoque de carbono e regulação do clima.

Embora esse não seja o foco do estudo, pesquisas de outros grupos já mostraram que são necessários pelo menos 35% a 40% de vegetação nativa para a manutenção da biodiversidade e de serviços associados.

Cerrado paulista

Como esperado, a cobertura de vegetação nativa foi o fator que mais influenciou a quantidade de espécies de mamíferos nativos, como a onça-parda (Puma concolor) e o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus).

Essas, porém, são espécies generalistas, mais adaptáveis a áreas degradadas. Mamíferos que historicamente habitaram o bioma, como a onça-pintada (Panthera onca), o tatu-canastra (Priodontes maximus) e a queixada (Tayassu pecari), foram extintos da região.

A vegetação nativa mostrou-se, ainda, a maior influência para diminuir a quantidade de espécies invasoras, como o cachorro doméstico e a lebre-europeia (Lepus europaeus), mas principalmente os javalis (Sus scrofa).

De acordo com os resultados do estudo, estes suínos, trazidos para o Brasil para criação e que se tornaram pragas agrícolas, podem ser mais detectados em áreas com pouca vegetação nativa dominadas por monoculturas agrícolas, como a cana-de-açúcar.

Nesse cenário de tamanha degradação e perda de espécies, o resultado animador foi que a diversificação de lavouras teve um efeito de amenizar a falta de vegetação nativa.

Ou seja, áreas agrícolas mais diversas, como pequenas propriedades focadas na agricultura familiar e produção de alimentos, ou sistemas agrossilvipastoris (plantações, silvicultura e pecuária numa mesma propriedade) podem ajudar a sustentar uma riqueza maior de espécies nativas e menor de exóticas.

“Este trabalho aponta que talvez seja o caso de nossas políticas públicas não se aterem apenas ao desmatamento, mas também ao problema da simplificação da paisagem. Para além do controle do desmatamento, importa muito o que se faz naquela área que antes era de Cerrado”, analisa Renata Pardini, professora do IB-USP e coordenadora do estudo, que orienta o doutorado de Pônzio.

Pardini cita o Programa Refloresta SP, da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado. Regulamentada em 2022, a política prevê a chamada Restauração de Paisagens e Ecossistemas, abordagem que busca promover ganhos econômicos associados aos ecológicos.

Para isso, promove os sistemas agroflorestais, florestas multifuncionais e sistemas silvipastoris biodiversos. Em todos, há uma composição entre espécies nativas e não nativas, trazendo renda para os produtores rurais e provendo serviços ecossistêmicos importantes, inclusive para as lavouras tradicionais.

O programa tem como parceiro o BIOTA Síntese, um Centro de Ciência para o Desenvolvimento da FAPESP sediado na USP, do qual Pônzio e Pardini fazem parte (leia mais em: agencia.fapesp.br/38674/).

Os pesquisadores ressaltam a importância da manutenção e criação de áreas legalmente protegidas de Cerrado, que são menos de 20% no Estado. Na região analisada no estudo, por exemplo, a maior unidade de conservação é a Estação Ecológica Jataí, com pouco mais de 9 mil hectares.

“Não estamos supondo que uma agricultura diversificada compensaria os danos ambientais do desmatamento e da monocultura. Nossos dados mostram que ela é importante, mas não substitui o papel da vegetação nativa”, encerra Pônzio.

O estudo contou ainda com apoio da FAPESP por meio de bolsa de doutorado para Nielson Pasqualotto, que fez estágio na Colorado State University, nos Estados Unidos.

O trabalho teve também entre os coautores Marina Zanin, bolsista de pós-doutorado no IB-USP.

O artigo Landscape heterogeneity can partially offset negative effects of habitat loss on mammalian biodiversity in agroecosystems pode ser lido em: https://besjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/1365-2664.14543.
 

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Nova metodologia projeta crescimento de árvores nativas, elevando rentabilidade de restauração florestal

 

Luciana Constantino | Agência FAPESP – O tema da restauração florestal tem ganhado destaque nos últimos anos tanto na iniciativa privada e no mercado financeiro como na academia e entre governos, principalmente no caso do Brasil, que assumiu o compromisso, desde o Acordo de Paris, em 2015, de recuperar com floresta nativa 12 milhões de hectares, ou seja, praticamente o equivalente ao território da Coreia do Norte. No entanto, as iniciativas ainda dependem do caro processo de plantio de árvores e padecem com a falta de dados sobre o crescimento das espécies e do total de áreas recuperadas.

Pesquisa publicada na revista científica Perspectives in Ecology and Conservation contribui com o avanço do setor. Mostra que a aplicação de métodos silviculturais em projetos de restauração florestal em larga escala pode aumentar a produtividade e a rentabilidade, viabilizando o abastecimento da indústria madeireira e reduzindo a pressão sobre os biomas naturais, como a Amazônia.

Os cientistas concluíram que, para alcançar alta produtividade, as cadeias de valor da restauração devem incorporar critérios específicos envolvendo uma combinação de espécies nativas; modelos de crescimento das árvores que permitam montar os planos de manejo e colheita com prazos mais curtos; bem como aliar o desenvolvimento de pesquisa e inovação a tratamentos silviculturais.

Liderado pelo engenheiro florestal Pedro Medrado Krainovic, o estudo criou um modelo que projeta o tempo de crescimento de espécies arbóreas nativas da Mata Atlântica até que elas obtenham "maturidade" necessária para atender à indústria madeireira. Normalmente, as taxas de crescimento para comercialização são definidas de acordo com o tempo que a árvore leva até atingir 35 centímetros de diâmetro.

Com o novo método, os pesquisadores obtiveram uma redução de 25% no tempo de colheita e um aumento de 38% da área basal das árvores. Isso representou uma antecipação média de 13 anos na idade ideal do corte.

“Identificamos os padrões de produtividade versus tempo, o que fornece o indicativo de quando uma dada espécie pode ser manejada para obtenção de madeira para o mercado. Isso ajuda a dar viabilidade à restauração florestal em larga escala, melhorando sua atratividade para proprietários de terra e indo ao encontro dos acordos globais pró-clima. Com base nos nossos dados, projetamos um cenário em que o conhecimento silvicultural estaria melhorado, proporcionando uma restauração mais atrativa para as múltiplas partes interessadas“, diz Krainovic, que desenvolveu o trabalho durante seu pós-doutorado no Laboratório de Silvicultura Tropical (Lastrop) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, vinculada à Universidade de São Paulo (Esalq-USP).

O projeto foi conduzido no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP. Também recebeu apoio por meio de outros quatro projetos, entre eles o Temático “Compreendendo florestas restauradas para o benefício das pessoas e da natureza – NewFor“ e as bolsas de estudo concedidas aos pesquisadores Danilo Roberti de Almeida (18/21338-3), Catherine Torres de Almeida (20/06734-0) e Angélica Faria de Resende (19/24049-5), coautores do artigo.

O trabalho foi supervisionado pelos pesquisadores Ricardo Ribeiro Rodrigues, do Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal (Lerf), e Pedro Brancalion, vinculado ao Lastrop e ao projeto BIOTA Síntese.

Contexto

Mesmo tendo sido eleita pelas Nações Unidas (ONU) em 2022 como uma das dez referências mundiais em restauração, a Mata Atlântica é o bioma brasileiro que mais perdeu área florestal até hoje. Dos cerca de 140 milhões de hectares no Brasil, restam 24% de cobertura florestal. Desse total, somente 12% correspondem a florestas bem conservadas (cerca de 16,3 milhões de hectares), segundo dados da Fundação SOS Mata Atlântica.

Porém, os esforços para conter o desmatamento vêm conseguindo resultados positivos – queda de 42% entre janeiro e maio de 2023 em relação a 2022 (de 12.166 hectares devastados para 7.088 hectares) –, além de as ações de restauração terem surtido efeito. Em 2021, a ONU estabeleceu até 2030 a Década da Restauração de Ecossistemas, um apelo para a proteção e revitalização dos ecossistemas em todo o mundo, para o benefício das pessoas e da natureza.

“A restauração precisa ter mais dados que tragam horizontes favoráveis de uso do solo. Para uma política pública, é preciso ter mais informações que suportem as tomadas de decisão. E esse artigo serve de várias formas, inclusive com uma lista de espécies que pode oferecer subsídios para o proprietário de terra. Abre uma porta para o enriquecimento de restauração florestal com finalidade econômica, mais atrativa e atingindo múltiplos objetivos, como devolver serviços ecossistêmicos a determinadas áreas”, explica Krainovic.

Os resultados do estudo devem alimentar o programa Refloresta-SP, coordenado pela Secretaria do Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado, que tem, entre seus objetivos, a restauração ecológica, a recuperação de áreas degradadas e a implantação de florestas multifuncionais e de sistemas agroflorestais.

Krainovic morou por 12 anos na Amazônia e trabalhou não só em projetos de recuperação de áreas degradadas usando espécies arbóreas com potencial econômico como em cadeias produtivas de produtos florestais não madeireiros que abastecem a indústria de cosméticos, como sementes, óleos essenciais e manteigas. "Um diferencial da minha trajetória é não ter ficado somente na academia. Conheço como são as empresas, a interface com os povos tradicionais nessas cadeias produtivas e a área acadêmica", completa.

Passo a passo

O estudo analisou uma cronossequência de 13 áreas de restauração florestal não manejada distribuídas pelo Estado de São Paulo, que se encontravam em diferentes estágios – entre seis e 96 anos de plantio. Essas regiões têm uma mistura diversificada de espécies nativas – entre 30 e 100 –, o que contribui para a promoção de serviços ecossistêmicos com características semelhantes às da floresta espontânea.

Os cientistas escolheram dez espécies arbóreas nativas comerciais, com diferentes densidades de madeira e historicamente exploradas pelo mercado. São elas: guatambu (Balfourodendron riedelianum); jequitibá-rosa (Cariniana legalis); cedro-rosa (Cedrela fissilis); araribá (Centrolobium tomentosum); guarantã (Esenbeckia leiocarpa); jatobá (Hymenaea courbaril); acácia-amarela (Peltophorum dubium); ipê-roxo (Handroanthus impetiginosus); aroeira (Astronium graveolens) e pau-vermelho ou cabreúva (Myroxylon peruiferum).

Atualmente, a maioria dessas espécies é protegida por lei e não pode ser vendida legalmente porque são endêmicas da Mata Atlântica e do Cerrado e estão ameaçadas de extinção. No entanto, algumas, como jatobá e ipê-roxo, ainda são exploradas na Amazônia.

Para cada uma delas foram desenvolvidos modelos de crescimento, com base nos dados coletados nos plantios. Com as curvas de crescimento foi aplicado o método GOL (sigla em inglês para Growth-Oriented Logging), para determinação de critérios técnicos de manejo, incluindo um cenário otimizado focado na produção de madeira.

Após testes iniciais, os pesquisadores modelaram o crescimento do diâmetro e da área basal de cada espécie selecionada ao longo da cronossequência. Foram construídos cenários de produtividade usando os 30% maiores valores de diâmetro encontrados para cada espécie por local e idade, o “cenário otimizado”, que representa a aplicação de tratos silviculturais, proporcionando maior produtividade.

As espécies foram classificadas usando o tempo necessário para atingir os 35 centímetros de diâmetro para a colheita em três faixas: crescimento rápido (menos de 50 anos), intermediário (50-70 anos) e lento (maior que 70 anos). Ao aplicar a abordagem GOL, foram agrupadas em taxa de crescimento rápida (menor que 25 anos); intermediária (25-50 anos); lenta (50-75 anos) e superlenta (75-100 anos).

O cenário otimizado teve o tempo de colheita reduzido em 25%, representando uma antecipação média de 13 anos na idade ideal de colheita.

As exceções foram o jequitibá-rosa e o jatobá, que apresentaram seu período ideal de colheita prolongado, mas a área basal aumentou mais de 50%. Por outro lado, o cedro-rosa teve redução de 36,6% na área basal de colheita (646,6 cm2/árvore), mas uma antecipação de 47 anos em tempo de colheita (51% mais rápido que o GOL).

No total, nove das dez espécies atingiram diâmetro de 35 cm antes dos 60 anos – a exceção foi o guarantã, com alta densidade de madeira.

O estudo Potential native timber production in tropical forest restoration plantations pode ser encontrado em: www.perspectecolconserv.com/en-potential-native-timber-production-in-avance-S2530064423000640.