segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Restauração de áreas degradadas no semiárido promove a ‘volta’ de microrganismos do solo, mostra estudo

 

Luciana Constantino | Agência FAPESP – Estratégias aplicadas na restauração de áreas degradadas têm mostrado resultados promissores em terras do semiárido brasileiro, melhorando também as propriedades microbianas do solo e contribuindo para a volta de serviços ecossistêmicos nativos. Entre essas técnicas estão a retirada ou a restrição do acesso de gado a determinadas regiões de pasto; o cultivo de espécies para cobertura vegetal e a adoção de terracing, um procedimento que modifica a topografia em encostas ou inclinações para controlar a erosão.

Com a recuperação das propriedades microbianas do solo, além do importante papel de manutenção da biodiversidade, a produtividade melhora, contribuindo com uma produção agropecuária sustentável. Esses são os resultados apontados em pesquisa publicada no Journal of Environmental Management por um grupo de cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e das Federais do Piauí (UFPI), do Ceará (UFC) e do Agreste de Pernambuco (Ufape). Os pesquisadores fizeram uma revisão de 18 estudos desenvolvidos no semiárido, concentrado na Caatinga.

No Brasil, 16% do território é suscetível à desertificação. São mais de 1.400 municípios (de um total de 5.570), distribuídos nos nove Estados da região Nordeste. Englobam cerca de 35 milhões de brasileiros.

Além disso, a biodiversidade da Caatinga é variada, composta de quase 600 espécies de aves, 240 de peixes, mais de 170 de mamíferos, entre outras. No bioma, os agricultores familiares estão entre os mais expostos ao risco climático, e os municípios onde eles se concentram registraram perdas de produção nas últimas três décadas.

Segundo estudo do Climate Policy Initiative da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio), o aumento da seca na Caatinga provoca uma queda maior na produtividade do feijão (16%) e do milho (35%), por exemplo, em comparação aos demais biomas (6% e 16%, respectivamente). No caso da pecuária, a queda de 9% na produtividade na região se contrapõe ao aumento de 1% nos outros biomas.

“Buscamos entender o microbioma e suas funções para, a partir daí, enxergar ferramentas que auxiliem a recuperação de áreas degradadas no semiárido. Vimos que as técnicas de restauração têm feito com que a biodiversidade microbiana volte e, consequentemente, haja a retomada de funções e serviços ecossistêmicos mais similares ao que eram naturalmente”, explica à Agência FAPESP o professor Lucas William Mendes, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena-USP).

Um dos autores do artigo, Mendes recebe apoio da FAPESP por meio de dois projetos (19/16043-7 e 20/12890-4).

Para entender

O microbioma é a coleção de todos os microrganismos, seus materiais genéticos, funções e relação com o ambiente. Inclui bactérias, fungos, arqueias, protistas e vírus encontrados no solo. Desempenha importante papel na ciclagem de nutrientes, na decomposição de matéria orgânica, além de estar ligado à emissão de gases de efeito estufa e correlacionado com a saúde do solo, refletindo, assim, nas plantas.

Alguns microrganismos envolvidos na formação e estabilização de matéria orgânica rica em carbono contribuem para o sequestro do gás e ajudam a mitigar os efeitos das mudanças climáticas. “Compreendendo como alguns microrganismos vivem e contribuem para o crescimento de plantas em área seca, é possível descobrir novos inoculantes visando o desenvolvimento de vegetação nessas regiões”, afirma Mendes.

Por isso, entender como as técnicas de restauração mexem com o microbioma permite não só compreender como está a qualidade da terra, mas também reduzir o uso de insumos artificiais e melhorar a agricultura por meio do potencial biotecnológico.

A produção agropecuária sustentável vem ganhando cada vez mais destaque e, neste ano, é um dos focos do grupo de trabalho que vai tratar de questões ligadas aos sistemas agrícolas no G20. Formado pelas 19 maiores economias do mundo mais a União Africana e a União Europeia, o G20 está sob a presidência do Brasil desde o final do ano passado, e a Cúpula de Líderes será realizada em novembro, no Rio de Janeiro.

Para os professores Erika Valente de Medeiros e Diogo Paes da Costa, da Ufape e autores do artigo, as pesquisas podem fornecer subsídios para orientar a formulação de políticas públicas direcionadas ao desenvolvimento sustentável e à mitigação dos impactos da desertificação. “Essas iniciativas são fundamentais, especialmente ao incorporar o conceito de saúde global, que reconhece a interdependência entre a saúde dos ecossistemas, a diversidade microbiana do solo e o bem-estar humano”, complementa Medeiros.

Impactos

No artigo, os pesquisadores mostraram que a desertificação no semiárido brasileiro é influenciada por fatores naturais – baixa pluviosidade da região, as altas taxas de evaporação e os solos frágeis – e atividades humanas insustentáveis – como a criação de gado ou uso para agricultura sem o manejo adequado. “O estudo é importante porque mostra o efeito negativo da desertificação e indica práticas efetivas de restauração para recuperação da diversidade microbiana no solo”, avalia o engenheiro agrônomo Ademir Sérgio Ferreira de Araújo, primeiro autor do artigo e professor na UFPI.

Adotando técnicas moleculares, como metagenômica e metatranscriptômica, foi possível fazer o monitoramento e a avaliação dos impactos dos esforços de restauração para o microbioma do solo.

Nas áreas em que houve a cobertura com nova vegetação, foram usados o cânhamo (Crotalaria juncea) e o capim-mombaça (Panicum maximum) – planta de origem africana, disseminada nas regiões tropicais e subtropicais, com alta produtividade de massa verde por hectare e elevado teor de proteína bruta, o que o torna um alimento de qualidade para o gado. “Com cobertura das plantas, que muda a química do solo, conseguimos ver que há melhora na pastagem da região, podendo ampliar a quantidade de cabeças de gado por hectare, aumentando a produtividade”, diz Mendes.

Já as áreas de terracing ajudaram a controlar a erosão, conservar a água e facilitar a agricultura. “É importante lembrar que a restauração das propriedades microbianas do solo é um processo complexo e demorado, exigindo compromisso e monitoramento de longo prazo. Daí a importância de cada vez mais estudos nesta área”, completa.

O pesquisador também é um dos autores de outro trabalho publicado em janeiro na revista Plant and Soil, que destaca a necessidade de adoção de técnicas de restauração de ecossistemas que integrem abordagens biológicas com variáveis ambientais – propriedades de ecossistemas, condições climáticas e tipos de solo.

Liderado pelo pesquisador Brajesh Singh, da Western Sydney University (Austrália), e com olhar global, o estudo propõe que, para apoiar essa abordagem, haja a integração de novas ferramentas computacionais e de satélite com potencial para facilitar a implementação da gestão, do monitoramento e da restauração de ecossistemas.

Parceria

O professor Arthur Prudêncio de Araújo Pereira, da UFC, destaca que os próximos passos serão desenvolvidos por meio do projeto Caatinga Microbiome Initiative (CMI), uma iniciativa interinstitucional, criada em 2022, que envolve mais de 20 professores e pesquisadores do Brasil e do exterior, com o objetivo de estudar o microbioma da Caatinga e sua relação com a saúde do solo.

“Conhecemos muito pouco sobre o papel do microbioma de solos da Caatinga, principalmente em áreas em desertificação. Por isso a importância da condução de experimentos no âmbito do projeto.”

O artigo From desertification to restoration in the Brazilian semiarid region: Unveiling the potential of land restoration on soil microbial properties pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0301479723025343?via%3Dihub.
 

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Eucalipto é capaz de armazenar grandes quantidades de carbono

  • Pesquisa registrou fixação de mais de 674 toneladas de carbono por hectare proporcionadas pela espécie.
  • Mais uma vez, trabalho de pesquisa demonstra que florestas são capazes de reduzir circulação de gases de efeito estufa na atmosfera.
  • Plantios podem ser usados para compensação de emissões.
  • Pesquisa também avaliou a quantidade de carbono armazenado por espécies de árvores nativas do Cerrado.
  • Resultados reforçam papel de florestas, nativas e plantadas, de acumular carbono e mitigar as mudanças no clima.

 

Estudo coordenado pela Embrapa Cerrados (DF) em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) mostra que os plantios de povoamentos de eucalipto podem armazenar grandes quantidades de carbono na biomassa da parte aérea e no solo, assim como as áreas de Cerrado nativo, contribuindo para a mitigação de gases de efeito estufa (GEE), em especial o gás carbônico (CO2). Os resultados indicam elevados níveis de carbono em plantios de eucalipto e em uma área de vegetação natural analisados (acima de 183,99 toneladas por hectare - t/ha), acumulado principalmente no solo, demonstrando que a espécie pode contribuir para a fixação de mais de 674,17 t/ha de CO2.

As árvores, tanto naturais como plantadas, podem atuar como drenos de carbono, pois fixam grande quantidade de carbono pelo processo da fotossíntese e o alocam na biomassa da parte aérea (tronco e copa), nas raízes e na adição de resíduos orgânicos ao solo. Pesquisas sugerem que as florestas, de modo geral, têm papel fundamental não apenas no ciclo do carbono, mas também podem contribuir para minimizar o aquecimento global reduzindo a circulação de GEE como o óxido nitroso (N2O), o metano (CH4) e o gás carbônico (CO2).

“Nesse sentido, a remoção de GEE da atmosfera por plantios florestais em savanas deve ser considerada, se não para longo prazo, pelo menos para compensações de carbono no curto prazo. No caso de povoamentos de eucalipto, o corte é realizado aos 7, aos 14, e aos 21 anos do plantio para papel e celulose, que é o principal uso no Brasil”, aponta o pesquisador da UnB Alcides Gatto, um dos autores do trabalho.

De acordo com o Relatório Anual 2022 da Indústria Brasileira de Árvores, o Brasil tem uma área aproximada de 10 milhões de hectares de florestas plantadas, sendo 76% plantações de eucalipto destinadas a diversos fins comerciais, desde a produção de carvão, papel e celulose, mourões para cerca, postes de eletrificação e madeira para móveis e construção civil, com ciclos do plantio ao corte variando de cinco a vinte anos, dependendo do destino da madeira produzida.

A pesquisadora da Embrapa Alexsandra de Oliveira lembra que há diversos estudos sobre estoque de carbono no solo e mitigação de GEE em áreas de Cerrado convertidas em lavouras ou pastagens. Por outro lado, apesar da expansão da cultura do eucalipto no bioma, ainda há pouca informação quanto ao impacto dos plantios sobre os estoques de carbono e as emissões de GEE.

Além disso, os pesquisadores apontam que muitas pesquisas estão restritas a mensurações do carbono na biomassa do solo e acima do solo, enquanto havia uma lacuna em estimar a quantidade de carbono nos diferentes compartimentos de plantios de eucalipto, como raízes e biomassa morta no Cerrado.

“Dada a importância das florestas na fixação de carbono, e como nos ecossistemas terrestres a vegetação e o solo são os principais drenos de carbono, informações sobre o carbono acima do solo e nas raízes são essenciais para reduzir incertezas em métricas regionais sobre áreas de plantio de eucalipto no Cerrado, além de alimentarem modelos nacionais de armazenamento de carbono e mudanças climáticas”, completa Eloisa Ferreira, pesquisadora da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF).

Assim, o estudo buscou quantificar o estoque de carbono e a biomassa por compartimentos em plantios de eucalipto (híbrido Eucalyptus urophylla x Eucalyptus grandis) de diferentes idades e estimar, por métodos diretos e indiretos, a biomassa e o estoque de carbono de uma área com vegetação nativa de Cerrado. O trabalho foi realizado na zona rural do Paranoá (DF), em áreas vizinhas com dois plantios de eucalipto – uma com o clone EAC1528 de quatro anos e outra com o clone GG100 de seis anos – e uma área de Cerradão, uma das formações vegetais de Cerrado.

Carbono das árvores

A equipe realizou um inventário florestal para estudar a composição florística da área de Cerrado nativo. Foram encontradas 84 espécies de 41 famílias botânicas. As espécies nativas mostraram diferentes capacidades de armazenamento de biomassa e carbono. O pau-terra (Qualea grandiflora), com 161 árvores/ha, foi a espécie que estocou mais carbono, 2,87 t/ha (13% do total), cerca de 17,88 kg/ha de carbono por árvore. Por outro lado, o pau-terrinha (Q. parviflora), com 24 árvores/ha, foi a espécie que mais estocou carbono por indivíduo: 77,88 kg/ha.

Para a biomassa e o carbono acumulado na parte aérea das árvores, foi observado que a madeira foi o componente com a maior contribuição (81,35% no plantio mais jovem e 88,46% no eucalipto mais velho). Segundo os pesquisadores, no eucalipto, a madeira é a parte da planta que mais acumula biomassa e carbono, sendo que nas demais partes, como a casca, folhas e galhos, o acúmulo pode variar de acordo com as características da área estudada.

O estoque de biomassa e o armazenamento de carbono aumentaram com a idade do plantio das árvores. No de quatro anos, o carbono e a biomassa acumulados na parte aérea foram respectivamente de 62,1 t/ha (27,5% do total) e 141,1 t/ha, enquanto no plantio com seis anos foram de 81,7 t/ha (37,78% do total) e 189,7 t/ha.

Carbono no solo e nas raízes

A principal reserva de carbono nas três áreas estudadas está no solo, que fixou cerca de 68%, 58% e 84% do carbono total, respectivamente, nas áreas de eucalipto de quatro anos, de eucalipto de seis anos e de Cerrado nativo. Foi observado que a concentração total de carbono no solo diminui exponencialmente com a profundidade.

 

Detalhes da pesquisa

A pesquisadora Karina Pulrolnik, da Embrapa Cerrados, explica que a maior concentração de carbono na camada superficial (0 a 5 cm) se deve à deposição de material orgânico e à lenta decomposição em florestas plantadas e naturais, ricas em lignina e com uma alta relação carbono/nitrogênio, fatores que aumentam o tempo de decomposição da serapilheira e os níveis de carbono no solo. A densidade das raízes finas também contribui para o aumento dos níveis de carbono no solo, mesmo naqueles com baixa fertilidade natural, como os de Cerrado.

Do total de carbono encontrado no perfil do solo de 0 a 100 cm de profundidade, a camada de 0 a 30 cm representou 48% do total na área de plantio de eucalipto de quatro anos, 50% no plantio de eucalipto de seis anos e 52% no Cerrado nativo. As áreas de plantio de eucalipto com quatro anos de idade (154,23 t/ha) e de Cerrado nativo (154,69 t/ha) estocaram as maiores quantidades de carbono para todas as camadas de solo estudadas. Ou seja, após quatro anos da implantação do eucalipto, não houve redução de carbono no solo, enquanto o plantio de eucalipto de seis anos apresentou os menores valores de carbono no solo (126,26 t/ha).

“O plantio de eucalipto de quatro anos pareceu ter reposto os estoques de carbono do solo no primeiro metro de profundidade, apesar de algumas perdas que possam ter ocorrido logo após o estabelecimento. Por outro lado, uma perda significativa de carbono no solo de 18% (28,43 t/ha) foi observada devido ao uso alternativo, onde uma área natural similar foi convertida em agricultura, principalmente lavoura de soja e, anos depois, transformada em um plantio de eucalipto de seis anos”, comenta Alexsandra de Oliveira.

Ela acrescenta que estudos científicos mostram diminuição nos níveis de carbono nos primeiros anos de conversão da vegetação natural para outros tipos de uso do solo, como lavouras de grãos, período em que uma proporção significativa de carbono do solo que estava fisicamente protegida em agregados estáveis é abruptamente oxidada, resultando na mineralização e na perda para a atmosfera sob a forma de CO2.

As raízes tiveram menor contribuição para o armazenamento total de carbono – 4,9 t/ha na área com eucalipto de quatro anos, 1,9 t/ha no eucalipto de seis anos e 3,1 t/ha no Cerrado nativo, considerando uma profundidade de 0 a 60 cm de profundidade, o que representa, respectivamente, 2,16%, 0,88% e 1,68% do carbono total nas áreas.

Assim, enquanto o eucalipto de seis anos teve o maior estoque de carbono na parte aérea, no eucalipto de quatro anos ocorreu o maior estoque de carbono nas raízes. Os pesquisadores apontam que a menor quantidade de raízes superficiais no plantio mais antigo pode estar relacionada à proporção de raízes que cresceram em profundidade à medida que a idade do plantio aumentava.

Eucalipto jovem estocou mais carbono

Apesar dos diferentes resultados de dinâmica de carbono entre os componentes das árvores, das raízes e do solo nas três áreas avaliadas, os estoques totais de carbono foram maiores no plantio de eucalipto mais jovem, com quatro anos de idade (226,23 t/ha), possivelmente em função da maior produção de biomassa nos estágios iniciais de crescimento – com o passar dos anos, o crescimento da planta diminui. Mas esse resultado, segundo os autores, indica a necessidade de mais estudos em escala de plantios comerciais e com diferentes idades para confirmar as similaridades dos dados encontrados nesse trabalho.

Os pesquisadores destacam a notável capacidade das espécies florestais, nativas ou plantadas, em fixar o gás carbônico (CO2), sempre apresentando saldo positivo (veja a ilustração), mesmo descontando as perdas por respiração, morte das plantas e retorno gradual do CO2 fixado inicialmente para a atmosfera. Eles lembram, no entanto, que o carbono estocado é mantido nas árvores enquanto vivas, na serapilheira e na matéria orgânica do solo por décadas e até milhares de anos em formas orgânicas estáveis no solo.

“Isso valida a importância de florestas nativas e plantadas como drenos de GEE, em especial o CO2, pois mitigam as mudanças climáticas, mostrando relevância para a sustentabilidade local e para a geração de mercado de carbono”, finaliza a engenheira-florestal Fabiana Piontekowski Ribeiro, doutoranda pela UnB à época da pesquisa.

 

Os autores do estudo

A publicação, que está disponível na integra aqui, é assinada por Fabiana Piontekowski Ribeiro, Alcides Gatto, Alexsandra Duarte de Oliveira, Karina Pulrolnik, Marco Bruno Xavier Valadão, Juliana Baldan Costa Neves Araújo, Arminda Moreira de Carvalho e Eloisa Aparecida Belleza Ferreira.

 

Breno Lobato (MTb 9.417/MG)
Embrapa Cerrados

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Pouco mais de mil espécies representam metade das árvores tropicais do planeta, aponta estudo

 

André Julião | Agência FAPESP – A imensa maioria das cerca de 46 mil espécies de árvores tropicais é extremamente rara, não passando de 10% dos indivíduos desse bioma. Por outro lado, metade das árvores dos trópicos pertence a apenas 1.053 espécies (ou 2,24%). As estimativas foram apresentadas em artigo publicado na revista Nature, assinado por um consórcio internacional de pesquisadores, incluindo um brasileiro apoiado pela FAPESP.

“As espécies dominantes têm papel fundamental na estrutura da floresta. Elas proveem recursos para outras plantas, fungos e animais. Uma das contribuições do estudo foi apontar algumas poucas espécies que representam uma grande parte dos indivíduos. Com isso, podemos fazer medições e ter estatísticas mais confiáveis de como o ecossistema funciona”, explica Bruno Garcia Luize, que realizou o trabalho como parte de seu pós-doutorado no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp), com bolsa da FAPESP.

Os autores utilizaram bancos de dados públicos sobre a composição de porções de floresta na Amazônia, África e Sudeste Asiático. Normalmente com um hectare, essas áreas são chamadas de parcelas. Uma parte das parcelas amazônicas analisadas no estudo foi estabelecida e teve os dados incluídos nos bancos de dados por Luize, durante o mestrado no Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, e no doutorado no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), em Rio Claro, também com bolsa da FAPESP.

No total, 1.097 parcelas na Amazônia, 368 na África e 103 no Sudeste Asiático foram analisadas, totalizando uma amostragem de pouco mais de 1 milhão de árvores com diâmetro de pelo menos 10 centímetros em grandes maciços florestais. Do total de árvores, 93,3% foram identificadas por espécie.

“Na Amazônia, estamos bem avançados nessas redes de inventários florestais colaborativos, que possibilitam fazer inferências e extrapolações como essa. Com os dados de outras florestas tropicais, temos agora uma dimensão mais global”, conta o pesquisador.

Hiperdominantes

Além de determinar a porcentagem de espécies hiperdominantes, como são chamadas as que compõem metade dos indivíduos de cada floresta tropical, os pesquisadores conseguiram determinar os nomes das mais prováveis de serem as mais comuns em cada uma das áreas analisadas.

Na Amazônia, por exemplo, algumas das possíveis hiperdominantes identificadas foram o matamatá (Eschweilera coriacea), com casca grossa e que pode chegar a 35 metros de altura; duas espécies de açaí (Euterpe oleracea e E. precatoria), conhecido pelo fruto e pelo palmito bastante consumidos no Brasil; e o parapará (Jacaranda copaia), única espécie de jacarandá amplamente distribuída na Amazônia.


Árvores do gênero Eschweilera foram listadas como as espécies possivelmente mais comuns na Amazônia (foto: Dick Culbert/Wikimedia Commons)

Entre as árvores amazônicas, as hiperdominantes são 2,2% das espécies. As mesmas proporções foram observadas na porção coberta de floresta tropical do continente africano, nas partes oeste, central e leste (2,2% das espécies representam 50% de todas as árvores), e no Sudeste Asiático, do Myanmar, no oeste, a Sulawesi, no leste da Ásia (2,3%). A consistência na proporção de espécies hiperdominantes chamou a atenção dos pesquisadores por indicar uma quantidade razoável de espécies que podem ser mais bem conhecidas em curto a médio prazo.

Segundo as estimativas, 299 espécies compõem 50% dos 344 bilhões de árvores presentes na Amazônia. Na parte tropical do continente africano, são 104 espécies compondo metade dos 113 bilhões de árvores tropicais em dosséis fechados. Para o Sudeste Asiático, os pesquisadores chegaram ao número de 278 espécies responsáveis por metade dos 129 bilhões de árvores.

Luize ressalva que não entraram no estudo outras florestas tropicais, como a Mata Atlântica e a floresta de Chocó, na América do Sul, além de dados da América Central, Nova Guiné e Micronésia, não disponíveis durante a execução do estudo. Uma estimativa mais robusta será possível, conta, quando essas regiões forem incluídas.

O pesquisador lembra, porém, que o levantamento traz importantes indicações de espécies que podem ser foco de estudos de autoecologia, em que se analisa como interagem com outras espécies e o ambiente.

“Isso sem contar estimativas de armazenamento de carbono dessas árvores, informação essencial para os cálculos de emissão e captura dos gases de efeito estufa responsáveis pelas mudanças climáticas”, explica.

Segundo Simon Lewis, professor da University College of London e um dos coordenadores do estudo, focar em algumas centenas de árvores comuns, em vez dos milhares de espécies sobre as quais não se conhece quase nada, pode possibilitar novas maneiras de entender as florestas tropicais.

“Isso não quer dizer renegar a importância das espécies raras, elas precisam de atenção especial para serem protegidas. Porém, ganhos rápidos e importantes em conhecimento devem vir das pesquisas sobre as espécies mais comuns”, disse o pesquisador em um informe à imprensa.

Coordenado por pesquisadores da universidade britânica, o trabalho tem 356 autores. Além de Luize, participaram pelo Brasil cientistas do Inpa, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Universidade de São Paulo (USP) e Unicamp, além de universidades e institutos de pesquisa federais e estaduais em Estados amazônicos e em outras regiões do Brasil.

O artigo Consistent patterns of common species across tropical tree communities pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41586-023-06820-z.
 

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Projeto promove preservação de remanescentes de Mata Atlântica em propriedades rurais

 

Elton Alisson | Agência FAPESP – Nos últimos quatro anos, a área de vegetação nativa ameaçada de extinção ocupada por 547 propriedades rurais localizadas no corredor sudeste da Mata Atlântica, na bacia do rio Paraíba do Sul, caiu de 1,3 mil para 490 hectares – uma redução de quase 38%. Já a área de vegetação nativa livre de ameaça nessas propriedades, que abrangem 20,2 mil hectares da região que se estende pelos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, aumentou de 8.507 hectares em 2019 para 9.547 hectares em 2023 – uma alta de mais de 11%.

Os resultados foram obtidos por meio de um projeto pioneiro executado entre 2017 e 2023, que concedeu incentivos econômicos para produtores rurais adotarem práticas de conservação e proteção do solo na gestão de suas propriedades.

Batizado de Conexão Mata Atlântica, o programa, apoiado pela FAPESP e executado em São Paulo pela Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil) e a Fundação Florestal, serviu de laboratório para testar diferentes abordagens de aplicação de pagamento por serviços ambientais (PSA) que serão incorporadas em políticas ambientais do Estado.

“O programa Conexão Mata Atlântica é um exemplo de como é possível olhar uma cadeia como um todo, gerar renda e emprego e, ao mesmo tempo, preservar e recuperar vegetação nativa, tornando o PSA um instrumento ainda maior do que foi concebido para ser. Precisamos dar escala para todo o Estado de São Paulo para esse mecanismo, que é muito potente”, disse Natália Resende, secretária estadual do Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, durante um evento de apresentação de resultados do projeto realizado em janeiro.

A iniciativa é resultado de um edital lançado em 2011 pelo Global Environment Facility (GEF) – um dos maiores financiadores de projetos ambientais no mundo – voltado à criação de um novo programa de preservação do clima por meio da concessão de linhas de crédito com foco na proteção, restauração e gestão de áreas no entorno de unidades de conservação. Outro objetivo do edital era o de promover a alteração do uso do solo em áreas rurais degradadas visando aumentar o estoque de carbono, melhorar a produtividade rural e a infiltração das águas, conter processos erosivos e reduzir a velocidade de vazão das águas, de modo a contribuir para minimizar enchentes como as que ocorreram em São Luiz do Paraitinga em dezembro de 2010.

À época diretor do Departamento de Políticas e Programas Temáticos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Carlos Joly, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos idealizadores do Programa BIOTA-FAPESP, propôs que o órgão submetesse uma proposta de projeto ao edital com foco na região do Vale do Ribeira.

“A ideia foi que, se conseguíssemos demonstrar que era possível promover a conservação e a restauração de serviços ecossistêmicos naquela região, esse modelo de programa poderia ser replicado em qualquer outro lugar”, explicou Joly.

Com base nessa ideia, em 2012 o MCTI e o Estado de São Paulo, por meio da Semil, a Fundação Florestal e a FAPESP, decidiram propor um projeto que unisse a mitigação das mudanças climáticas e o apoio à biodiversidade em uma mesma ação com foco no corredor sudeste da Mata Atlântica e tendo o Vale do Ribeira como território.

A Semil e a Fundação Florestal se propuseram a trabalhar diretamente com produtores rurais na região por meio da concessão de PSA, de Certificação Orgânica, Agroecológica e Florestal (Cert) e a indução da Cadeia de Valor Sustentável (CVS) em municípios com área com pastagens degradadas considerável e na zona de amortecimento do Parque Estadual Serra do Mar em dois de seus núcleos: Santa Virgínia e Itariru, na Estação Ecológica de Bananal e na área de proteção ambiental de São Francisco Xavier, distrito de São José dos Campos, na Região Metropolitana de São Paulo. Já a FAPESP financiou a realização de projetos de pesquisa sobre temas como de que forma a coexistência humano-fauna sustenta os serviços ecossistêmicos em áreas de conservação.

“Nosso objetivo de criar um projeto de restauração e conservação em São Paulo que servisse de exemplo de fato aconteceu. O Conexão Mata Atlântica engajou as pessoas, trouxe benefícios ambientais enormes e mudou a vida de muitos pequenos produtores da região”, avaliou Joly.

Os Estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, por também serem integrantes da bacia do Rio Paraíba do Sul, foram convidados a participar da elaboração e implementação do projeto. Cada um deles propôs implementar ações específicas para promover a conservação da biodiversidade e a recuperação dos estoques de carbono em áreas frágeis.

“Por meio do projeto foi possível aplicar ferramentas de incentivo econômico para que as propriedade rurais passassem a ser geridas adotando práticas de conservação e proteção do solo, promovendo a restauração ambiental, contribuindo para a proteção de hábitats, a coexistência com a fauna nativa, a fixação de carbono e a manutenção de biodiversidade protetora contra as pragas da lavoura. Dessa forma, foi possível transformar produtores rurais em provedores de serviços ambientais”, afirmou Luiza Saito, coordenadora do Conexão Mata Atlântica.

Diferentes modalidades

No total, foram investidos US$ 31,5 milhões, sendo US$ 16,56 milhões somente em São Paulo. Foram firmados mais de 1,7 mil contratos que beneficiaram mais de 950 produtores, de 20 municípios do Estado de São Paulo distribuídos pelo Vale do Paraíba do Sul, Vale do Rio Ribeira do Iguape e a Baixada Santista. Entre eles Aparecida, Cachoeira Paulista, Cruzeiro, Guaratinguetá, Lorena, Paraibuna, São Luiz do Paraitinga e Taubaté.

Um dos principais instrumentos adotados no programa foi o PSA, por meio do qual os produtores rurais receberam recursos de acordo com os serviços ambientais prestados a partir da preservação e restauração da vegetação nativa, além de técnicas sustentáveis na área. Ao todo, foram selecionados 939 projetos, que abrangeram 11.972 hectares.

Para liberar os recursos, os técnicos participantes do projeto avaliaram aspectos como a mudança de uso do solo por meio da promoção de melhorias dos sistemas de produção agropecuária mais sustentáveis; incentivo à adoção de práticas conservacionistas nas propriedades, tais como saneamento rural, compostagem, cercamento para condução da regeneração natural e bebedouros para o rebanho fora dos corpos d’água, entre outros quesitos.

“Depois de aderir ao projeto, os produtores rurais só receberam o PSA se de fato fizeram alguma melhoria na propriedade. Eles também receberam pelo serviço ambiental que já prestavam antes de o projeto iniciar. Daí para frente só reconhecemos eventuais novos serviços ambientais que começaram a prestar”, explicou Helena Carrascosa, responsável pela unidade de gestão de projetos da Semil.

Por meio do incentivo da pastagem manejada adequadamente, com pastejo rotacionado, diversificação de forrageiras e introdução de árvores nativas no sistema, foi possível atingir uma grande redução da área de pastagem degradada na região.

“Observamos logo no primeiro ano do projeto que a área sob manejo rotacionado passou a ser maior do que a de pastagem degradada. A expectativa é que essa tendência se mantenha e que a pastagem degradada possa até mesmo desaparecer”, disse Carrascosa.

A área de 4.260 hectares ocupada por pastagem representa 25% da área total dos imóveis rurais participantes do PSA uso múltiplo. Nos municípios de São Luiz do Paraitinga e Natividade da Serra, contudo, a participação atinge 35% e 41%, respectivamente.

Se por um lado a agropecuária é um setor que emite gases de efeito estufa (GEE) e contribui para o empobrecimento ecológico de hábitat, por outro os produtores rurais estão entre os primeiros a serem impactados pelo desequilíbrio climático. Por isso, os produtores rurais têm papel central no processo de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, ponderam pesquisadores participantes do projeto.

“O projeto realça o papel central do produtor nesse processo, investindo em capacitação e assistência técnica nas propriedades”, disse Carrascosa.

Acesso ao mercado

Os produtores rurais também receberam capacitação para obter certificação de produtos, de modo a obter acesso ao mercado de orgânicos.

As certificações asseguram o emprego de práticas sustentáveis no cultivo e manejo. No cômputo geral, foram 155 certificações em oito municípios, totalizando 4.360 hectares de área certificada.

“Esse é o primeiro grupo que se conhece de pequenos manejadores com certificação para conservação da Mata Atlântica. Já há experiências similares para a Amazônia, mas esse é o primeiro grupo que se mobilizou para atender todos os padrões de certificação para conservação da Mata Atlântica sem estar associado a uma cadeia produtiva”, disse Claudette Hahn, coordenadora desse componente do projeto.

Outro instrumento empregado no projeto foi o de Cadeias de Valor Sustentável (CVS), voltado a incentivar o cultivo e o beneficiamento de produtos típicos da Mata Atlântica, como frutas nativas, mel de abelhas, leite e hortaliças produzidos em sistemas agroflorestais (SAF).

Ao todo, 202 propriedades foram beneficiadas, sendo 73 ligadas a frutas, 41 produtoras de leite, 30 especializadas em mel e mais 18 olerícolas (produtoras de leguminosas).