sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

No Cerrado, diversificação de lavouras tem efeito benéfico sobre a fauna e reduz presença de javali

 

André Julião | Agência FAPESP – Nada substitui o Cerrado nativo, mas numa região agrícola consolidada como o nordeste do Estado de São Paulo trocar grandes áreas de monocultura por lavouras diversificadas pode ter um efeito benéfico para os mamíferos ainda remanescentes nessas áreas. Além disso, ajuda a controlar espécies invasoras que causam prejuízos aos produtores rurais, como os javalis.

Esta é uma das conclusões de um estudo publicado no Journal of Applied Ecology por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) apoiados pela FAPESP.

O trabalho analisou a presença de mamíferos nativos e exóticos em 55 paisagens de 200 hectares. A cobertura do solo foi verificada ainda em 3 mil hectares que circundavam cada uma delas. No total, uma área de 34 mil quilômetros quadrados foi incluída no estudo, da qual fazem parte cerca de 80 municípios paulistas.

Entre 2017 e 2018, o grupo percorreu cada uma das paisagens e buscou por rastros deixados pelos mamíferos (pegadas, fezes e outros sinais), além de instalar câmeras em áreas de vegetação nativa.

“As paisagens tinham composições mais ou menos heterogêneas, com porções de vegetação nativa, monocultura e lavouras diversas. Assim, nós conseguimos correlacionar o grau de heterogeneidade da paisagem com a presença ou ausência de mamíferos nativos e exóticos”, explica Marcella do Carmo Pônzio, primeira autora do artigo, que atualmente faz doutorado no Instituto de Biociências (IB) da USP.

O impacto da heterogeneidade da paisagem foi equivalente a 80% do efeito que as áreas de Cerrado da região têm sobre o número de espécies nativas naquele contexto. Além disso, a diversificação da cobertura do solo reduziu em 27% a quantidade de espécies invasoras, como o javali.


Área de monocultura com vegetação nativa ao fundo: hectares contínuos de plantação, como cana-de-açúcar e café, são os mais prejudiciais para a fauna e os serviços ecossistêmicos (foto: Adriano Chiarello/FFCLRP-USP)

“Ainda que espécies mais sensíveis, como a onça-pintada, tenham desaparecido, uma maior complexidade da paisagem pode proporcionar mais espécies nativas, como onças-pardas e tatus, por exemplo, e menos desses invasores. Nas monoculturas com pouca vegetação nativa, por outro lado, javalis prevalecem”, completa Pônzio, que obteve parte dos resultados durante período em que teve bolsa da FAPESP na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP.

O estudo integra o projeto “Ocorrência de mamíferos e invasão biológica em remanescentes de Cerrado de paisagens agrícolas”, apoiado pela FAPESP e coordenado por Adriano Garcia Chiarello, professor da FFCLRP-USP que orientou o mestrado de Pônzio.

“Na maior parte das propriedades da área estudada nem sequer se cumpre o Código Florestal”, conta Chiarello. A lei determina a conservação de 20% de vegetação nativa em propriedades no Cerrado, mais as áreas de preservação permanente (APPs), como margens de rio e topos de morro.

Segundo o pesquisador, ainda que a regra fosse cumprida, essa porcentagem não é suficiente para a manutenção da fauna e de serviços ecossistêmicos, como provisão de água, estoque de carbono e regulação do clima.

Embora esse não seja o foco do estudo, pesquisas de outros grupos já mostraram que são necessários pelo menos 35% a 40% de vegetação nativa para a manutenção da biodiversidade e de serviços associados.

Cerrado paulista

Como esperado, a cobertura de vegetação nativa foi o fator que mais influenciou a quantidade de espécies de mamíferos nativos, como a onça-parda (Puma concolor) e o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus).

Essas, porém, são espécies generalistas, mais adaptáveis a áreas degradadas. Mamíferos que historicamente habitaram o bioma, como a onça-pintada (Panthera onca), o tatu-canastra (Priodontes maximus) e a queixada (Tayassu pecari), foram extintos da região.

A vegetação nativa mostrou-se, ainda, a maior influência para diminuir a quantidade de espécies invasoras, como o cachorro doméstico e a lebre-europeia (Lepus europaeus), mas principalmente os javalis (Sus scrofa).

De acordo com os resultados do estudo, estes suínos, trazidos para o Brasil para criação e que se tornaram pragas agrícolas, podem ser mais detectados em áreas com pouca vegetação nativa dominadas por monoculturas agrícolas, como a cana-de-açúcar.

Nesse cenário de tamanha degradação e perda de espécies, o resultado animador foi que a diversificação de lavouras teve um efeito de amenizar a falta de vegetação nativa.

Ou seja, áreas agrícolas mais diversas, como pequenas propriedades focadas na agricultura familiar e produção de alimentos, ou sistemas agrossilvipastoris (plantações, silvicultura e pecuária numa mesma propriedade) podem ajudar a sustentar uma riqueza maior de espécies nativas e menor de exóticas.

“Este trabalho aponta que talvez seja o caso de nossas políticas públicas não se aterem apenas ao desmatamento, mas também ao problema da simplificação da paisagem. Para além do controle do desmatamento, importa muito o que se faz naquela área que antes era de Cerrado”, analisa Renata Pardini, professora do IB-USP e coordenadora do estudo, que orienta o doutorado de Pônzio.

Pardini cita o Programa Refloresta SP, da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado. Regulamentada em 2022, a política prevê a chamada Restauração de Paisagens e Ecossistemas, abordagem que busca promover ganhos econômicos associados aos ecológicos.

Para isso, promove os sistemas agroflorestais, florestas multifuncionais e sistemas silvipastoris biodiversos. Em todos, há uma composição entre espécies nativas e não nativas, trazendo renda para os produtores rurais e provendo serviços ecossistêmicos importantes, inclusive para as lavouras tradicionais.

O programa tem como parceiro o BIOTA Síntese, um Centro de Ciência para o Desenvolvimento da FAPESP sediado na USP, do qual Pônzio e Pardini fazem parte (leia mais em: agencia.fapesp.br/38674/).

Os pesquisadores ressaltam a importância da manutenção e criação de áreas legalmente protegidas de Cerrado, que são menos de 20% no Estado. Na região analisada no estudo, por exemplo, a maior unidade de conservação é a Estação Ecológica Jataí, com pouco mais de 9 mil hectares.

“Não estamos supondo que uma agricultura diversificada compensaria os danos ambientais do desmatamento e da monocultura. Nossos dados mostram que ela é importante, mas não substitui o papel da vegetação nativa”, encerra Pônzio.

O estudo contou ainda com apoio da FAPESP por meio de bolsa de doutorado para Nielson Pasqualotto, que fez estágio na Colorado State University, nos Estados Unidos.

O trabalho teve também entre os coautores Marina Zanin, bolsista de pós-doutorado no IB-USP.

O artigo Landscape heterogeneity can partially offset negative effects of habitat loss on mammalian biodiversity in agroecosystems pode ser lido em: https://besjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/1365-2664.14543.
 

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Nova metodologia projeta crescimento de árvores nativas, elevando rentabilidade de restauração florestal

 

Luciana Constantino | Agência FAPESP – O tema da restauração florestal tem ganhado destaque nos últimos anos tanto na iniciativa privada e no mercado financeiro como na academia e entre governos, principalmente no caso do Brasil, que assumiu o compromisso, desde o Acordo de Paris, em 2015, de recuperar com floresta nativa 12 milhões de hectares, ou seja, praticamente o equivalente ao território da Coreia do Norte. No entanto, as iniciativas ainda dependem do caro processo de plantio de árvores e padecem com a falta de dados sobre o crescimento das espécies e do total de áreas recuperadas.

Pesquisa publicada na revista científica Perspectives in Ecology and Conservation contribui com o avanço do setor. Mostra que a aplicação de métodos silviculturais em projetos de restauração florestal em larga escala pode aumentar a produtividade e a rentabilidade, viabilizando o abastecimento da indústria madeireira e reduzindo a pressão sobre os biomas naturais, como a Amazônia.

Os cientistas concluíram que, para alcançar alta produtividade, as cadeias de valor da restauração devem incorporar critérios específicos envolvendo uma combinação de espécies nativas; modelos de crescimento das árvores que permitam montar os planos de manejo e colheita com prazos mais curtos; bem como aliar o desenvolvimento de pesquisa e inovação a tratamentos silviculturais.

Liderado pelo engenheiro florestal Pedro Medrado Krainovic, o estudo criou um modelo que projeta o tempo de crescimento de espécies arbóreas nativas da Mata Atlântica até que elas obtenham "maturidade" necessária para atender à indústria madeireira. Normalmente, as taxas de crescimento para comercialização são definidas de acordo com o tempo que a árvore leva até atingir 35 centímetros de diâmetro.

Com o novo método, os pesquisadores obtiveram uma redução de 25% no tempo de colheita e um aumento de 38% da área basal das árvores. Isso representou uma antecipação média de 13 anos na idade ideal do corte.

“Identificamos os padrões de produtividade versus tempo, o que fornece o indicativo de quando uma dada espécie pode ser manejada para obtenção de madeira para o mercado. Isso ajuda a dar viabilidade à restauração florestal em larga escala, melhorando sua atratividade para proprietários de terra e indo ao encontro dos acordos globais pró-clima. Com base nos nossos dados, projetamos um cenário em que o conhecimento silvicultural estaria melhorado, proporcionando uma restauração mais atrativa para as múltiplas partes interessadas“, diz Krainovic, que desenvolveu o trabalho durante seu pós-doutorado no Laboratório de Silvicultura Tropical (Lastrop) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, vinculada à Universidade de São Paulo (Esalq-USP).

O projeto foi conduzido no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP. Também recebeu apoio por meio de outros quatro projetos, entre eles o Temático “Compreendendo florestas restauradas para o benefício das pessoas e da natureza – NewFor“ e as bolsas de estudo concedidas aos pesquisadores Danilo Roberti de Almeida (18/21338-3), Catherine Torres de Almeida (20/06734-0) e Angélica Faria de Resende (19/24049-5), coautores do artigo.

O trabalho foi supervisionado pelos pesquisadores Ricardo Ribeiro Rodrigues, do Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal (Lerf), e Pedro Brancalion, vinculado ao Lastrop e ao projeto BIOTA Síntese.

Contexto

Mesmo tendo sido eleita pelas Nações Unidas (ONU) em 2022 como uma das dez referências mundiais em restauração, a Mata Atlântica é o bioma brasileiro que mais perdeu área florestal até hoje. Dos cerca de 140 milhões de hectares no Brasil, restam 24% de cobertura florestal. Desse total, somente 12% correspondem a florestas bem conservadas (cerca de 16,3 milhões de hectares), segundo dados da Fundação SOS Mata Atlântica.

Porém, os esforços para conter o desmatamento vêm conseguindo resultados positivos – queda de 42% entre janeiro e maio de 2023 em relação a 2022 (de 12.166 hectares devastados para 7.088 hectares) –, além de as ações de restauração terem surtido efeito. Em 2021, a ONU estabeleceu até 2030 a Década da Restauração de Ecossistemas, um apelo para a proteção e revitalização dos ecossistemas em todo o mundo, para o benefício das pessoas e da natureza.

“A restauração precisa ter mais dados que tragam horizontes favoráveis de uso do solo. Para uma política pública, é preciso ter mais informações que suportem as tomadas de decisão. E esse artigo serve de várias formas, inclusive com uma lista de espécies que pode oferecer subsídios para o proprietário de terra. Abre uma porta para o enriquecimento de restauração florestal com finalidade econômica, mais atrativa e atingindo múltiplos objetivos, como devolver serviços ecossistêmicos a determinadas áreas”, explica Krainovic.

Os resultados do estudo devem alimentar o programa Refloresta-SP, coordenado pela Secretaria do Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado, que tem, entre seus objetivos, a restauração ecológica, a recuperação de áreas degradadas e a implantação de florestas multifuncionais e de sistemas agroflorestais.

Krainovic morou por 12 anos na Amazônia e trabalhou não só em projetos de recuperação de áreas degradadas usando espécies arbóreas com potencial econômico como em cadeias produtivas de produtos florestais não madeireiros que abastecem a indústria de cosméticos, como sementes, óleos essenciais e manteigas. "Um diferencial da minha trajetória é não ter ficado somente na academia. Conheço como são as empresas, a interface com os povos tradicionais nessas cadeias produtivas e a área acadêmica", completa.

Passo a passo

O estudo analisou uma cronossequência de 13 áreas de restauração florestal não manejada distribuídas pelo Estado de São Paulo, que se encontravam em diferentes estágios – entre seis e 96 anos de plantio. Essas regiões têm uma mistura diversificada de espécies nativas – entre 30 e 100 –, o que contribui para a promoção de serviços ecossistêmicos com características semelhantes às da floresta espontânea.

Os cientistas escolheram dez espécies arbóreas nativas comerciais, com diferentes densidades de madeira e historicamente exploradas pelo mercado. São elas: guatambu (Balfourodendron riedelianum); jequitibá-rosa (Cariniana legalis); cedro-rosa (Cedrela fissilis); araribá (Centrolobium tomentosum); guarantã (Esenbeckia leiocarpa); jatobá (Hymenaea courbaril); acácia-amarela (Peltophorum dubium); ipê-roxo (Handroanthus impetiginosus); aroeira (Astronium graveolens) e pau-vermelho ou cabreúva (Myroxylon peruiferum).

Atualmente, a maioria dessas espécies é protegida por lei e não pode ser vendida legalmente porque são endêmicas da Mata Atlântica e do Cerrado e estão ameaçadas de extinção. No entanto, algumas, como jatobá e ipê-roxo, ainda são exploradas na Amazônia.

Para cada uma delas foram desenvolvidos modelos de crescimento, com base nos dados coletados nos plantios. Com as curvas de crescimento foi aplicado o método GOL (sigla em inglês para Growth-Oriented Logging), para determinação de critérios técnicos de manejo, incluindo um cenário otimizado focado na produção de madeira.

Após testes iniciais, os pesquisadores modelaram o crescimento do diâmetro e da área basal de cada espécie selecionada ao longo da cronossequência. Foram construídos cenários de produtividade usando os 30% maiores valores de diâmetro encontrados para cada espécie por local e idade, o “cenário otimizado”, que representa a aplicação de tratos silviculturais, proporcionando maior produtividade.

As espécies foram classificadas usando o tempo necessário para atingir os 35 centímetros de diâmetro para a colheita em três faixas: crescimento rápido (menos de 50 anos), intermediário (50-70 anos) e lento (maior que 70 anos). Ao aplicar a abordagem GOL, foram agrupadas em taxa de crescimento rápida (menor que 25 anos); intermediária (25-50 anos); lenta (50-75 anos) e superlenta (75-100 anos).

O cenário otimizado teve o tempo de colheita reduzido em 25%, representando uma antecipação média de 13 anos na idade ideal de colheita.

As exceções foram o jequitibá-rosa e o jatobá, que apresentaram seu período ideal de colheita prolongado, mas a área basal aumentou mais de 50%. Por outro lado, o cedro-rosa teve redução de 36,6% na área basal de colheita (646,6 cm2/árvore), mas uma antecipação de 47 anos em tempo de colheita (51% mais rápido que o GOL).

No total, nove das dez espécies atingiram diâmetro de 35 cm antes dos 60 anos – a exceção foi o guarantã, com alta densidade de madeira.

O estudo Potential native timber production in tropical forest restoration plantations pode ser encontrado em: www.perspectecolconserv.com/en-potential-native-timber-production-in-avance-S2530064423000640.
 

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

 

Mini pequi: fruto encontrado no Tocantins é um dos menores do mundo





LEIA MAIS:

Fonte: https://agro2.com.br/agricultura/mini-pequi-fruto-encontrado-no-tocantins-e-um-dos-menores-do-mundo/

Feliz e Próspero 2024

 


quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Geodésia, topografia e cartografia: diferenças



Geodésia, cartografia e topografia são técnicas geográficas que têm sido otimizadas com avanços tecnológicos. Entenda o que cada uma pode fazer por sua empresa.

A Geografia é uma área bastante interdisciplinar, pois utiliza diferentes conhecimentos e ferramentas para estudar não só o espaço físico, mas também os fenômenos (naturais e antropológicos) que alteram a paisagem e como isso se relaciona com a organização social e econômica de uma determinada região.

A Geografia é composta por diversas disciplinas que, juntas, traduzem o espaço físico em representações e permite a elaboração de análises. Muitas pessoas podem acabar confundindo geodésia, topografia e cartografia, contudo, apesar de trabalharem conjuntamente muitas vezes, elas se tratam de diferentes técnicas geográficas. Confira as diferenças a seguir: 

Geodésia

Geodésia é um termo há muito tempo estabelecido na geografia e se refere à técnica de medição e divisão de terras. Modernamente, esse campo de conhecimento passou a incluir o estudo do campo gravitacional terrestre e da superfície oceânica.

A Geodésia se divide basicamente em dois ramos de atuação. Um deles tem uma função teórica e é estruturada por investigações científicas que buscam determinar as dimensões e a forma do planeta Terra.  O outro ramo é mais prático e envolve a disponibilização de informações para apoiar trabalhos diversos para outras áreas afins (como engenharia, cartografia e topografia).

Enquanto a Geodésia Geral se encarrega de mensurar a forma e as dimensões da Terra, a Geodésia Aplicada determina a posição exata de pontos específicos na superfície terrestre, nas áreas oceânicas e continentais, para fins de mapeamento a partir de operações geométricas que mensuram distâncias e ângulos.

Esse ramo de conhecimento também pode se utilizar de satélites artificiais para rastrear a superfície terrestre, estando presente em projetos de obras de engenharia para a construção de pontes, barragens e grandes edifícios. Outra aplicação dos conhecimentos da geodésia é durante o trabalho de ecólogos, que levantam dados sobre os efeitos das ações humanas sobre o meio ambiente.

Topografia

A topografia pode ser definida como a ciência que estuda as características na superfície de algum território – tais como: relevo, declínio ou outro acidente geográfico.

Esse estudo sobre as superfícies terrestres está presente desde os primórdios da humanidade em sociedades como a egípcia, a babilônia, a chinesa e a árabe, nas quais era utilizado para descrever, avaliar e delimitar propriedades rurais e urbanas e fazer um levantamento de como ocupar cada área da maneira mais apropriada.

Entre as ferramentas utilizadas pela Topografia, podem-se citar o teodolito (instrumento de precisão óptico usado para realizar a medida de ângulos verticais e horizontais) e o nível (usado para medir inclinações em planos, podendo ser digital ou óptico).

Assim como a Geodésia, a Topografia representa a Terra (cuja superfície é irregular) em um plano. Contudo, existe uma diferença básica entre ambas: a topografia estuda a área de uma determinada superfície com até 30 km de dimensão.

Já a Geodésia trabalha com proporções de escala maiores e estuda e mapeia grandes porções do planeta Terra. Por isso, pode-se dizer que a Topografia é um segmento da ciência Geodésia.

Cartografia

A cartografia é a área do conhecimento que estuda, analisa e produz plantas, mapas, cartogramas e todos os tipos de representações gráficas do espaço. Assim, esse conjunto de técnicas científicas e até artísticas busca elaborar documentos que representem, de forma reduzida, as características de uma determinada localidade.

O desenvolvimento tecnológico permitiu a obtenção de técnicas avançadas e capazes de produzir mapas altamente detalhados e capazes de cruzar um grande volume de dados. Contudo, a produção de mapas e plantas é uma ciência antiga: historiadores apontam que o mapa mais antigo da história tem cerca de 4500 anos, tendo sido  produzido por povos babilônicos.

Uma mesma área pode ser representada de diferentes formas em diferentes sociedades e momentos históricos, sendo que cada um deles pode priorizar representar uma determinada informação em detrimento de outra. Assim, é importante lembrar que a cartografia é demarcada e condicionada historicamente, pertencendo assim à história social das representações do espaço.

FONTE: https://visaogeo.com.br/geodesia-topografia-e-cartografia-diferencas/




quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Estudo mapeia desafios e aponta diretrizes para a restauração do Cerrado

 

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – O Cerrado já perdeu cerca de 70% da sua cobertura original. Savana mais biodiversa do mundo, detentora de 33% de toda a biodiversidade brasileira, berço das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul, o Cerrado é hoje também o bioma mais ameaçado do Brasil. Salvar o que resta, por meio de ações de preservação, é necessário e urgente. Mas não é suficiente. É preciso também restaurar.

O grande problema é que o Cerrado é muito difícil de ser restaurado. Nas últimas décadas, várias alternativas de restauração foram testadas. Mas nenhuma se mostrou totalmente efetiva. Para entender o potencial de cada uma delas e a possibilidade de serem consorciadas em uma estratégia de conjunto, uma pesquisa apoiada pela FAPESP compilou um amplo conjunto de dados de 82 áreas distintas, distribuídas por cinco Estados e pelo Distrito Federal. Os resultados do estudo foram divulgados no Journal of Applied Ecology.

“Comparamos o quanto essas áreas em restauração estavam similares às áreas conservadas, preservando as fisionomias de campos e savanas predominantes no bioma. E, em cada área, avaliamos a eficácia das técnicas de restauração passiva [regeneração natural] e ativa [semeadura, plantio de mudas de árvores, transplante de plantas, raízes e solo]”, conta Natashi Pilon, professora do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) e primeira autora da pesquisa.

O estudo investigou 712 espécies, típicas do Cerrado bem preservado. Dessas, 338 (47%) não foram encontradas em nenhum dos locais em restauração. Como se isso não bastasse, de 520 espécies registradas exclusivamente em locais de restauração, 70% não eram típicas do Cerrado. Em outras palavras, espécies que deveriam estar presentes nas áreas restauradas não estão, e espécies que não deveriam estar presentes estão.

“Nos projetos de restauração, espécies que não são características do Cerrado estão sendo introduzidas. É o caso das ruderais [que crescem espontaneamente em terrenos baldios]. Embora nativas do Brasil, essas espécies não são características de nenhum bioma específico. E comprometem a estabilidade do ecossistema em restauração a longo prazo”, sublinha Pilon.

Os limites da regeneração natural

O Cerrado é muito diversificado. Um dos objetivos do estudo foi entender como cada tipo de planta responde às diferentes técnicas de restauração, considerando capins nativos, ervas, subarbustos (plantas que se assemelham a ervas, mas possuem lenho abaixo do solo), arbustos, trepadeiras e árvores.

“Verificamos que, em áreas onde somente a regeneração natural foi adotada, a quantidade de espécies típicas não aumentou com o tempo. Esse resultado mostra que muitas espécies possuem limitações para colonizar áreas degradadas. E que simplesmente deixar que o Cerrado se recomponha por si mesmo não permitirá recuperar a biodiversidade perdida”, conta Pilon.

A Figura 2 (ver abaixo), derivada do estudo, apresenta, graficamente, a eficácia de cada técnica de restauração em relação ao tipo de planta. Note-se que a restauração passiva permite a conservação de um número limitado de espécies típicas – geralmente árvores e arbustos que apresentam alta capacidade de rebrota. Ainda assim, a recuperação dessas espécies lenhosas depende de quanto o solo foi modificado e se ainda existem raízes capazes de rebrotar. Quanto às técnicas de restauração ativa, a figura mostra que a semeadura e o transplante de plantas e solo conseguem recuperar maior diversidade de espécies típicas, cada técnica sendo favorável para um tipo específico de planta.

Síntese das principais formas de crescimento do Cerrado que cada técnica de restauração é capaz de recuperar (imagem: Natashi Pilon/Unicamp)

“Cada componente desses ecossistemas complexos desempenha um papel importante para sua resiliência e funcionamento. Assim, uma restauração efetiva precisa considerar todos esses fatores. Por exemplo, capins nativos alimentam as queimadas e controlam a densidade de espécies lenhosas, processo natural em ecossistemas savânicos. A diversidade de ervas regula a dinâmica de polinizadores, mantendo suas populações na paisagem e fornecendo recursos para as abelhas se alimentarem durante todo o ano. Subarbustos e arbustos rebrotam e colonizam depressa a área após perturbações naturais e são altamente resilientes a perturbações antrópicas. Além disso, armazenam grande quantidade de carbono abaixo do solo por meio de suas estruturas subterrâneas bem desenvolvidas. Assim, uma restauração bem-sucedida, com o objetivo de recuperar a biodiversidade e/ou os serviços ecossistêmicos, deve considerar a reintrodução de todas as formas vegetais encontradas em áreas conservadas do Cerrado”, resume a pesquisadora.

Considerando as diferentes técnicas de restauração ativa e os diversos tipos de plantas, o estudo mostrou que, para capins nativos, a semeadura direta, a transposição de solo superficial e o transplante de material vegetal permitiram aproximar-se da proporção encontrada no ecossistema conservado, de 18%. Para ervas típicas, proporções aproximadas à encontrada em ecossistema conservado, também de 18%, foram obtidas apenas por meio de transposição de solo superficial ou transplante de material vegetal. Em áreas onde a restauração foi feita pelo plantio de árvores, não foram registradas gramíneas nativas típicas, sendo esta a pior técnica de restauração avaliada.

Para subarbustos, apenas a técnica de transplante recuperou espécies típicas em proporções próximas à encontrada em ecossistemas conservados, de 24%. Para arbustos, a proporção foi semelhante à referência, de 14%, na maioria das técnicas analisadas, exceto a transposição de solo superficial e o plantio de árvores, que apresentaram valores muito inferiores. Já a proporção de árvores mostrou-se maior do que nos ecossistemas conservados na maioria das intervenções de restauração analisadas.

“Com base nesses resultados, podemos concluir que, para uma restauração efetiva do Cerrado, não existe uma panaceia. Uma única técnica de restauração isolada não será capaz de trazer todos os componentes que garantam a resiliência e o funcionamento do bioma. Além disso, as técnicas com melhores resultados – semeadura e transplante – são altamente dependentes de áreas conservadas para aquisição de sementes e material vegetal [plantas inteiras e raízes]. Assim, políticas e estratégias que promovam a conservação são tão ou mais urgentes do que a restauração propriamente dita”, sintetiza Pilon.

E acrescenta: “Quando se fala em Floresta Amazônica, o discurso é ‘vamos preservar’. Mas, em relação ao Cerrado, o discurso muda para ‘vamos restaurar’. Nosso estudo mostrou que, embora imprescindível, a restauração não é fácil. E depende da preservação. Apesar de toda a destruição, ainda existe muito Cerrado a preservar, principalmente na faixa norte, na área do Matopiba [acrônimo que denomina a região que se estende por porções dos Estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia]. O desafio é que essa área está sendo fortemente impactada pela expansão agrícola, a exemplo do que já ocorreu em Goiás e no Mato Grosso”.

O estudo em pauta recolheu dados dessa área, bem como de outras partes do Cerrado. A pesquisa de campo foi realizada em propriedades particulares e em várias unidades de conservação, como a Estação Ecológica Santa Bárbara, a Floresta Estadual de Assis, a Estação Ecológica e Experimental de Itirapina e a Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento de Itararé, no Estado de São Paulo; o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e o Parque Nacional de Emas, em Goiás; o Parque Municipal do Pombo, no Mato Grosso do Sul; e o Parque Estadual do Guartelá, no Paraná. O trabalho foi apoiado pela FAPESP por meio de três projetos (19/07773-1, 20/09257-8 e 19/03463-8).

O artigo Challenges and directions for open ecosystems biodiversity restoration: an overview of the techniques applied for Cerrado pode ser acessado em: https://besjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1365-2664.14368.