segunda-feira, 22 de abril de 2024

Mapas desenvolvidos com inteligência artificial confirmam baixos níveis de fósforo no solo da Amazônia

 

Distribuição espacial da concentração de fósforo total nos solos da Amazônia (crédito: imagem adaptada de Darela-Filho et al.,2024)


Luciana Constantino | Agência FAPESP – Com os impactos das mudanças climáticas afetando cada vez mais o cotidiano de moradores de vários países, entre eles o Brasil, a resiliência das florestas, especialmente tropicais, como a Amazônia, tem sido tema frequente de pesquisas. Além de estudar diversos fatores que influenciam a maneira como a vegetação reage ao aquecimento global, os cientistas buscam aprimorar os modelos de vegetação – que são ferramentas com papel crucial na compreensão e gestão dos ecossistemas, contribuindo para a conservação da biodiversidade e para o desenvolvimento sustentável.

E é exatamente essa combinação que está descrita em pesquisa publicada na revista Earth System Science Data por um grupo ligado a instituições brasileiras. O trabalho resultou em uma série de mapas que descrevem com maior precisão a quantidade das diversas formas químicas de fósforo no solo da Amazônia.

“Construídos” com base em nova metodologia baseada em inteligência artificial, os mapas confirmam que a região tem uma concentração muito baixa do mineral. O impacto disso é que a falta de fósforo afeta o ciclo de crescimento das espécies e pode, por exemplo, impedir que as árvores reajam ao aumento de gás carbônico associado às mudanças climáticas.

“Quando estávamos trabalhando em modelos de vegetação para entender comportamentos climáticos da Amazônia, percebemos que havia informações pontuais sobre as quantidades de fósforo no solo. Normalmente, nos métodos anteriores, esses mapas usavam apenas os tipos [classes] de solo como preditores do mineral. Vimos que seria necessário incluir outros atributos ambientais e, para isso, desenvolvemos uma nova técnica estatística, baseada em aprendizado de máquina a partir dos dados já existentes”, explica o pesquisador João Paulo Darela Filho, que atualmente faz pós-doutorado na Universidade Técnica de Munique (Alemanha).

Primeiro autor do artigo, Darela Filho começou a trabalhar no projeto quando estava no doutorado, finalizado em 2021. Sua pesquisa recebeu apoio da FAPESP por meio de dois projetos (17/00005-3 e 19/08194-5).

À época, seu foco era incluir no modelo Caetê os dados sobre ciclos de nutrientes, como nitrogênio e fósforo, importantes no entendimento do comportamento do crescimento das árvores. O Caetê, que na língua tupi-guarani significa “mata virgem”, é um algoritmo capaz de projetar o futuro da vegetação amazônica, apresentando cenários com transformações da floresta.

Primeiro desse tipo exclusivamente brasileiro, seu nome vem da sigla CArbon and Ecosystem functional-Trait Evaluation model, que em tradução livre é: modelo para avaliação de características funcionais de carbono e de ecossistema. Também teve apoio da FAPESP por meio do AmazonFACE, um programa que inclui experimento de campo e estuda como o aumento de dióxido de carbono (CO2) atmosférico afeta a floresta, sua biodiversidade e os serviços ecossistêmicos (leia mais em: agencia.fapesp.br/41424).

O Caetê foi desenvolvido pela equipe do Laboratório de Ciência do Sistema Terrestre, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenado pelo professor David Montenegro Lapola, que também é autor do artigo com Darela Filho.

“Os mapas elaborados sob a liderança do João Darela são um passo indispensável para avançarmos no entendimento de como florestas tropicais, que geralmente são limitadas por fósforo, vão reagir às mudanças climáticas e a outras perturbações humanas”, diz Lapola à Agência FAPESP.

Resultados

Os pesquisadores usaram dados de 108 locais da Amazônia. Aplicaram uma abordagem com base em modelos de regressão aleatória de floresta treinados e testados para a previsão de diferentes formas de fósforo – total, disponível, orgânico, inorgânico e ocluído (quando está ligado a outras substâncias). Utilizaram também informações dos tipos de solo de referência e outras propriedades, como geolocalização, quantidades de nitrogênio e carbono, elevação e inclinação do terreno, pH do solo, precipitação anual média e temperatura.

Os modelos de regressão de floresta apresentaram níveis de precisão média acima dos 64%, dependendo da forma de fósforo. Para o total do mineral, a precisão chegou a 77,3%.

O resultado da pesquisa mostrou que a concentração média de fósforo total encontrada no conjunto de dados analisados foi de 284,13 miligramas para cada quilograma de solo (mg kg−1). A quantidade é considerada baixa quando comparada à média global – de 570 mg kg−1. Ao analisar os mapas, detectou-se que os locais mais ricos em fósforo estão na fronteira entre os Andes e a Amazônia em contraste com os solos mais antigos das baixadas amazônicas, localizadas na região leste.

Os cientistas avaliam que os novos mapas podem ser úteis para parametrizar e avaliar modelos de ecossistemas terrestres, podendo, até mesmo, trazer respostas sobre a relação solo-vegetação na região amazônica.

“O aprendizado de máquina, com o uso da inteligência artificial, será cada vez mais aplicado na ciência, especialmente para projeções futuras. Nossos mapas podem ser usados por outros pesquisadores visando entender como serão as respostas da Amazônia frente às mudanças climáticas”, completa Darela Filho.

Um estudo internacional liderado por brasileiros, entre eles Lapola, e destacado na capa da revista Nature em fevereiro mostrou que quase metade da Amazônia caminha para um ponto de não retorno até 2050, ou seja, com as secas extremas e o desmatamento, a floresta deve perder sua resiliência.

A pesquisa estimou que entre 10% e 47% das áreas na região estarão expostas a perturbações e ameaças, podendo desencadear transições “inesperadas” nos ecossistemas e exacerbar as mudanças climáticas regionais. Foram considerados como situações de estresse o desmatamento acumulado, o aquecimento global, a quantidade de chuva anual no bioma, a intensidade da sazonalidade das chuvas e a duração da estação seca. O risco é a conversão do bioma em áreas de savana, incapazes de cumprir o papel de sequestro de carbono.

O artigo Reference maps of soil phosphorus for the pan-Amazon region pode ser lido em: https://essd.copernicus.org/articles/16/715/2024/.

E os mapas estão acessíveis em: https://redu.unicamp.br/dataset.xhtml?persistentId=doi:10.25824/redu/FROESE.

terça-feira, 16 de abril de 2024

Grupo internacional faz simulações capazes de descrever com precisão inédita o clima na América do Sul

 

Elton Alisson, de Chicago | Agência FAPESP – Um consórcio composto por pesquisadores de mais de dez países, incluindo Brasil, Estados Unidos e algumas nações europeias, está realizando simulações do clima do passado e do futuro na América do Sul com resolução sem precedentes. O objetivo é criar um modelo de visualização computacional que represente com maior acurácia os processos hidroclimáticos que ocorrem na região para ajudar os tomadores de decisão a implementar medidas mais efetivas de adaptação aos impactos da mudança climática.

O trabalho foi apresentado em um painel de discussão sobre clima durante a FAPESP Week Illinois, na semana passada, em Chicago (Estados Unidos).

“Agora, estamos começando a ser capazes de representar corretamente o hidroclima da América do Sul nas escalas necessárias”, disse Francina Dominguez, pesquisadora do Centro Nacional de Aplicações de Supercomputação da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign e coordenadora do projeto.

De acordo com Dominguez, a exemplo de todas as regiões do mundo, o clima na América do Sul está mudando. Têm sido registradas secas exacerbadas no sul da Amazônia, na região do Cerrado, no norte do Brasil e no Chile. Esse cenário tem afetado o rendimento agrícola, o abastecimento de água para reservatórios, a geração de energia hidrelétrica e impactado dezenas de milhões de pessoas nas grandes áreas metropolitanas de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Santiago do Chile, por exemplo.

As geleiras andinas, que são uma importante fonte de água, perderam 30% de sua área nos trópicos e até 60% no sul dos Andes, constituindo as mais altas taxas de perda de massa glacial do mundo. Por outro lado, o sudeste da América do Sul enfrenta o aumento das chuvas anuais e a intensificação de fortes precipitações desde o início do século 20.

“A América do Sul enfrenta duas forças gigantescas, que são as mudanças climáticas e no uso da terra, que têm ocorrido não só na floresta amazônica, mas também em outras áreas da região, como o Chaco, na Argentina. E também temos mudanças muito grandes tanto no clima global quanto no regional. Como resultado desses processos temos observado que os extremos climáticos estão mudando em todo o continente e isso põe em risco a segurança hídrica e alimentar de milhões de pessoas”, afirmou Dominguez.

As projeções climáticas futuras são baseadas em modelos climáticos globais, os chamados GCMs, na sigla em inglês. A despeito de terem avançado muito nas últimas décadas, essas representações conceituais do clima global são incapazes de capturar detalhes do hidroclima da América do Sul e apresentam distorções significativas, ponderou a pesquisadora.

Parte desse problema está relacionado com a resolução espacial grosseira desses modelos, cujo espaçamento de grades horizontais, que representam a terra e os oceanos, é da ordem de dezenas de quilômetros (km). Por isso, não conseguem representar corretamente processos que ocorrem em escalas menores e em regiões montanhosas, como chuva de relevo – que surge quando nuvens encontram obstáculos como serras e montanhas –, além de queda de neve acumulada em montanhas e geleiras.

“Por meio dos GCMs atuais não é possível ver topografias complexas e isso representa um problema na América do Sul, onde há os Andes e outras áreas com essa característica”, afirmou Dominguez.

Os GCMs também não conseguem representar realisticamente ciclones, jatos de baixo nível – estreita zona de ventos máximos que ocorre nos primeiros quilômetros da atmosfera – e tempestades de sistemas conectivos organizados.

“Em regiões da bacia do rio da Prata, assim como em São Paulo e outras grandes áreas urbanas e agrícolas na América do Sul, a convecção organizada é um dos mecanismos mais importantes de precipitação e não está corretamente representada nos modelos climáticos globais”, disse Dominguez.

Com base nessa constatação, os pesquisadores realizaram, por meio de um consórcio de pesquisa batizado de South America Affinity Group, duas simulações computacionais de modelo de pesquisa e previsão do tempo (WRF, na sigla em inglês de weather research and forecasting model), com alta resolução sem precedentes de espaçamento de grade de 4 km, representando climas históricos e futuros do continente.

O objetivo é empregar a simulação histórica para validar o modelo e compreender melhor as características hidroclimáticas do continente com maior nível de detalhe e usar a simulação climática futura para avaliar as alterações que devem ocorrer na América do Sul sob um clima mais quente.

“Esse é um grande esforço que envolve mais de cem cientistas, muitos deles do Brasil e, em grande parte, de São Paulo”, disse Dominguez.

Baixo desempenho computacional

De acordo com Kelvin Droegemeier, professor de ciências atmosféricas da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, nos últimos anos têm sido desenvolvidos modelos do sistema terrestre incrivelmente sofisticados, representando a atmosfera, o gelo, os oceanos e os ciclos biogeoquímicos, entre outros elementos.

Esses modelos requerem computadores muito poderosos para fazer as integrações de longo prazo. O problema, contudo, é que eles só conseguem atingir uma pequena fração da capacidade máxima das máquinas atuais.

“Os modelos atuais só atingem entre 2% e 3% de uma máquina exascale [tipo de computação de alto desempenho com capacidade cerca de mil vezes mais rápida do que a dos mais poderosos supercomputadores em uso]. É como se esses modelos fossem uma Ferrari ou um carro de corrida de Fórmula 1 e só pudessem ser dirigidos a uma velocidade de 25 quilômetros por hora”, comparou o pesquisador.

Além disso, os modelos apresentam problemas de resolução e de física e são incapazes de capturar detalhes, como processos que acontecem em regiões como a América do Sul. “Esses modelos têm muitos problemas, mas a culpa não reside neles e sim nos sistemas onde eles estão sendo executados”, ponderou Droegemeier.

A fim de avançar na capacidade computacional para rodar os modelos do sistema terrestre, a universidade norte-americana realizará um encontro internacional entre o fim de setembro e o início de outubro deste ano voltado a desenvolver um sistema computacional para ciência do sistema terrestre de fronteira em simulação e projeção climática.

“O objetivo será discutir sobre onde estão os sistemas computacionais que nos permitirão executar esses modelos em altíssima resolução global. Temos as partes interessadas, como fabricantes de chips como a NVIDIA e a Intel, em participar da discussão”, contou o pesquisador.

A universidade norte-americana também está desenvolvendo um conceito para criar um centro nacional de previsão de eventos extremos causados por mudanças climáticas e outro sobre ciência da previsibilidade e suas aplicações, anunciou Droegemeier.

O painel dedicado a estudos sobre o clima foi realizado no dia 10 de abril e também contou com a participação do professor da Universidade de São Paulo (USP) Marcos Buckeridge.

Mais informações sobre a FAPESP Week Illinois estão disponíveis em: fapesp.br/week/2024/illinois.



Marcos Buckeridge (em pé), Francina Dominguez e Kelvin Droegemeier (foto: Elton Alisson/Agência FAPESP)

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Restauração de áreas degradadas no semiárido promove a ‘volta’ de microrganismos do solo, mostra estudo

 

Luciana Constantino | Agência FAPESP – Estratégias aplicadas na restauração de áreas degradadas têm mostrado resultados promissores em terras do semiárido brasileiro, melhorando também as propriedades microbianas do solo e contribuindo para a volta de serviços ecossistêmicos nativos. Entre essas técnicas estão a retirada ou a restrição do acesso de gado a determinadas regiões de pasto; o cultivo de espécies para cobertura vegetal e a adoção de terracing, um procedimento que modifica a topografia em encostas ou inclinações para controlar a erosão.

Com a recuperação das propriedades microbianas do solo, além do importante papel de manutenção da biodiversidade, a produtividade melhora, contribuindo com uma produção agropecuária sustentável. Esses são os resultados apontados em pesquisa publicada no Journal of Environmental Management por um grupo de cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e das Federais do Piauí (UFPI), do Ceará (UFC) e do Agreste de Pernambuco (Ufape). Os pesquisadores fizeram uma revisão de 18 estudos desenvolvidos no semiárido, concentrado na Caatinga.

No Brasil, 16% do território é suscetível à desertificação. São mais de 1.400 municípios (de um total de 5.570), distribuídos nos nove Estados da região Nordeste. Englobam cerca de 35 milhões de brasileiros.

Além disso, a biodiversidade da Caatinga é variada, composta de quase 600 espécies de aves, 240 de peixes, mais de 170 de mamíferos, entre outras. No bioma, os agricultores familiares estão entre os mais expostos ao risco climático, e os municípios onde eles se concentram registraram perdas de produção nas últimas três décadas.

Segundo estudo do Climate Policy Initiative da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio), o aumento da seca na Caatinga provoca uma queda maior na produtividade do feijão (16%) e do milho (35%), por exemplo, em comparação aos demais biomas (6% e 16%, respectivamente). No caso da pecuária, a queda de 9% na produtividade na região se contrapõe ao aumento de 1% nos outros biomas.

“Buscamos entender o microbioma e suas funções para, a partir daí, enxergar ferramentas que auxiliem a recuperação de áreas degradadas no semiárido. Vimos que as técnicas de restauração têm feito com que a biodiversidade microbiana volte e, consequentemente, haja a retomada de funções e serviços ecossistêmicos mais similares ao que eram naturalmente”, explica à Agência FAPESP o professor Lucas William Mendes, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena-USP).

Um dos autores do artigo, Mendes recebe apoio da FAPESP por meio de dois projetos (19/16043-7 e 20/12890-4).

Para entender

O microbioma é a coleção de todos os microrganismos, seus materiais genéticos, funções e relação com o ambiente. Inclui bactérias, fungos, arqueias, protistas e vírus encontrados no solo. Desempenha importante papel na ciclagem de nutrientes, na decomposição de matéria orgânica, além de estar ligado à emissão de gases de efeito estufa e correlacionado com a saúde do solo, refletindo, assim, nas plantas.

Alguns microrganismos envolvidos na formação e estabilização de matéria orgânica rica em carbono contribuem para o sequestro do gás e ajudam a mitigar os efeitos das mudanças climáticas. “Compreendendo como alguns microrganismos vivem e contribuem para o crescimento de plantas em área seca, é possível descobrir novos inoculantes visando o desenvolvimento de vegetação nessas regiões”, afirma Mendes.

Por isso, entender como as técnicas de restauração mexem com o microbioma permite não só compreender como está a qualidade da terra, mas também reduzir o uso de insumos artificiais e melhorar a agricultura por meio do potencial biotecnológico.

A produção agropecuária sustentável vem ganhando cada vez mais destaque e, neste ano, é um dos focos do grupo de trabalho que vai tratar de questões ligadas aos sistemas agrícolas no G20. Formado pelas 19 maiores economias do mundo mais a União Africana e a União Europeia, o G20 está sob a presidência do Brasil desde o final do ano passado, e a Cúpula de Líderes será realizada em novembro, no Rio de Janeiro.

Para os professores Erika Valente de Medeiros e Diogo Paes da Costa, da Ufape e autores do artigo, as pesquisas podem fornecer subsídios para orientar a formulação de políticas públicas direcionadas ao desenvolvimento sustentável e à mitigação dos impactos da desertificação. “Essas iniciativas são fundamentais, especialmente ao incorporar o conceito de saúde global, que reconhece a interdependência entre a saúde dos ecossistemas, a diversidade microbiana do solo e o bem-estar humano”, complementa Medeiros.

Impactos

No artigo, os pesquisadores mostraram que a desertificação no semiárido brasileiro é influenciada por fatores naturais – baixa pluviosidade da região, as altas taxas de evaporação e os solos frágeis – e atividades humanas insustentáveis – como a criação de gado ou uso para agricultura sem o manejo adequado. “O estudo é importante porque mostra o efeito negativo da desertificação e indica práticas efetivas de restauração para recuperação da diversidade microbiana no solo”, avalia o engenheiro agrônomo Ademir Sérgio Ferreira de Araújo, primeiro autor do artigo e professor na UFPI.

Adotando técnicas moleculares, como metagenômica e metatranscriptômica, foi possível fazer o monitoramento e a avaliação dos impactos dos esforços de restauração para o microbioma do solo.

Nas áreas em que houve a cobertura com nova vegetação, foram usados o cânhamo (Crotalaria juncea) e o capim-mombaça (Panicum maximum) – planta de origem africana, disseminada nas regiões tropicais e subtropicais, com alta produtividade de massa verde por hectare e elevado teor de proteína bruta, o que o torna um alimento de qualidade para o gado. “Com cobertura das plantas, que muda a química do solo, conseguimos ver que há melhora na pastagem da região, podendo ampliar a quantidade de cabeças de gado por hectare, aumentando a produtividade”, diz Mendes.

Já as áreas de terracing ajudaram a controlar a erosão, conservar a água e facilitar a agricultura. “É importante lembrar que a restauração das propriedades microbianas do solo é um processo complexo e demorado, exigindo compromisso e monitoramento de longo prazo. Daí a importância de cada vez mais estudos nesta área”, completa.

O pesquisador também é um dos autores de outro trabalho publicado em janeiro na revista Plant and Soil, que destaca a necessidade de adoção de técnicas de restauração de ecossistemas que integrem abordagens biológicas com variáveis ambientais – propriedades de ecossistemas, condições climáticas e tipos de solo.

Liderado pelo pesquisador Brajesh Singh, da Western Sydney University (Austrália), e com olhar global, o estudo propõe que, para apoiar essa abordagem, haja a integração de novas ferramentas computacionais e de satélite com potencial para facilitar a implementação da gestão, do monitoramento e da restauração de ecossistemas.

Parceria

O professor Arthur Prudêncio de Araújo Pereira, da UFC, destaca que os próximos passos serão desenvolvidos por meio do projeto Caatinga Microbiome Initiative (CMI), uma iniciativa interinstitucional, criada em 2022, que envolve mais de 20 professores e pesquisadores do Brasil e do exterior, com o objetivo de estudar o microbioma da Caatinga e sua relação com a saúde do solo.

“Conhecemos muito pouco sobre o papel do microbioma de solos da Caatinga, principalmente em áreas em desertificação. Por isso a importância da condução de experimentos no âmbito do projeto.”

O artigo From desertification to restoration in the Brazilian semiarid region: Unveiling the potential of land restoration on soil microbial properties pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0301479723025343?via%3Dihub.
 

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Eucalipto é capaz de armazenar grandes quantidades de carbono

  • Pesquisa registrou fixação de mais de 674 toneladas de carbono por hectare proporcionadas pela espécie.
  • Mais uma vez, trabalho de pesquisa demonstra que florestas são capazes de reduzir circulação de gases de efeito estufa na atmosfera.
  • Plantios podem ser usados para compensação de emissões.
  • Pesquisa também avaliou a quantidade de carbono armazenado por espécies de árvores nativas do Cerrado.
  • Resultados reforçam papel de florestas, nativas e plantadas, de acumular carbono e mitigar as mudanças no clima.

 

Estudo coordenado pela Embrapa Cerrados (DF) em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) mostra que os plantios de povoamentos de eucalipto podem armazenar grandes quantidades de carbono na biomassa da parte aérea e no solo, assim como as áreas de Cerrado nativo, contribuindo para a mitigação de gases de efeito estufa (GEE), em especial o gás carbônico (CO2). Os resultados indicam elevados níveis de carbono em plantios de eucalipto e em uma área de vegetação natural analisados (acima de 183,99 toneladas por hectare - t/ha), acumulado principalmente no solo, demonstrando que a espécie pode contribuir para a fixação de mais de 674,17 t/ha de CO2.

As árvores, tanto naturais como plantadas, podem atuar como drenos de carbono, pois fixam grande quantidade de carbono pelo processo da fotossíntese e o alocam na biomassa da parte aérea (tronco e copa), nas raízes e na adição de resíduos orgânicos ao solo. Pesquisas sugerem que as florestas, de modo geral, têm papel fundamental não apenas no ciclo do carbono, mas também podem contribuir para minimizar o aquecimento global reduzindo a circulação de GEE como o óxido nitroso (N2O), o metano (CH4) e o gás carbônico (CO2).

“Nesse sentido, a remoção de GEE da atmosfera por plantios florestais em savanas deve ser considerada, se não para longo prazo, pelo menos para compensações de carbono no curto prazo. No caso de povoamentos de eucalipto, o corte é realizado aos 7, aos 14, e aos 21 anos do plantio para papel e celulose, que é o principal uso no Brasil”, aponta o pesquisador da UnB Alcides Gatto, um dos autores do trabalho.

De acordo com o Relatório Anual 2022 da Indústria Brasileira de Árvores, o Brasil tem uma área aproximada de 10 milhões de hectares de florestas plantadas, sendo 76% plantações de eucalipto destinadas a diversos fins comerciais, desde a produção de carvão, papel e celulose, mourões para cerca, postes de eletrificação e madeira para móveis e construção civil, com ciclos do plantio ao corte variando de cinco a vinte anos, dependendo do destino da madeira produzida.

A pesquisadora da Embrapa Alexsandra de Oliveira lembra que há diversos estudos sobre estoque de carbono no solo e mitigação de GEE em áreas de Cerrado convertidas em lavouras ou pastagens. Por outro lado, apesar da expansão da cultura do eucalipto no bioma, ainda há pouca informação quanto ao impacto dos plantios sobre os estoques de carbono e as emissões de GEE.

Além disso, os pesquisadores apontam que muitas pesquisas estão restritas a mensurações do carbono na biomassa do solo e acima do solo, enquanto havia uma lacuna em estimar a quantidade de carbono nos diferentes compartimentos de plantios de eucalipto, como raízes e biomassa morta no Cerrado.

“Dada a importância das florestas na fixação de carbono, e como nos ecossistemas terrestres a vegetação e o solo são os principais drenos de carbono, informações sobre o carbono acima do solo e nas raízes são essenciais para reduzir incertezas em métricas regionais sobre áreas de plantio de eucalipto no Cerrado, além de alimentarem modelos nacionais de armazenamento de carbono e mudanças climáticas”, completa Eloisa Ferreira, pesquisadora da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF).

Assim, o estudo buscou quantificar o estoque de carbono e a biomassa por compartimentos em plantios de eucalipto (híbrido Eucalyptus urophylla x Eucalyptus grandis) de diferentes idades e estimar, por métodos diretos e indiretos, a biomassa e o estoque de carbono de uma área com vegetação nativa de Cerrado. O trabalho foi realizado na zona rural do Paranoá (DF), em áreas vizinhas com dois plantios de eucalipto – uma com o clone EAC1528 de quatro anos e outra com o clone GG100 de seis anos – e uma área de Cerradão, uma das formações vegetais de Cerrado.

Carbono das árvores

A equipe realizou um inventário florestal para estudar a composição florística da área de Cerrado nativo. Foram encontradas 84 espécies de 41 famílias botânicas. As espécies nativas mostraram diferentes capacidades de armazenamento de biomassa e carbono. O pau-terra (Qualea grandiflora), com 161 árvores/ha, foi a espécie que estocou mais carbono, 2,87 t/ha (13% do total), cerca de 17,88 kg/ha de carbono por árvore. Por outro lado, o pau-terrinha (Q. parviflora), com 24 árvores/ha, foi a espécie que mais estocou carbono por indivíduo: 77,88 kg/ha.

Para a biomassa e o carbono acumulado na parte aérea das árvores, foi observado que a madeira foi o componente com a maior contribuição (81,35% no plantio mais jovem e 88,46% no eucalipto mais velho). Segundo os pesquisadores, no eucalipto, a madeira é a parte da planta que mais acumula biomassa e carbono, sendo que nas demais partes, como a casca, folhas e galhos, o acúmulo pode variar de acordo com as características da área estudada.

O estoque de biomassa e o armazenamento de carbono aumentaram com a idade do plantio das árvores. No de quatro anos, o carbono e a biomassa acumulados na parte aérea foram respectivamente de 62,1 t/ha (27,5% do total) e 141,1 t/ha, enquanto no plantio com seis anos foram de 81,7 t/ha (37,78% do total) e 189,7 t/ha.

Carbono no solo e nas raízes

A principal reserva de carbono nas três áreas estudadas está no solo, que fixou cerca de 68%, 58% e 84% do carbono total, respectivamente, nas áreas de eucalipto de quatro anos, de eucalipto de seis anos e de Cerrado nativo. Foi observado que a concentração total de carbono no solo diminui exponencialmente com a profundidade.

 

Detalhes da pesquisa

A pesquisadora Karina Pulrolnik, da Embrapa Cerrados, explica que a maior concentração de carbono na camada superficial (0 a 5 cm) se deve à deposição de material orgânico e à lenta decomposição em florestas plantadas e naturais, ricas em lignina e com uma alta relação carbono/nitrogênio, fatores que aumentam o tempo de decomposição da serapilheira e os níveis de carbono no solo. A densidade das raízes finas também contribui para o aumento dos níveis de carbono no solo, mesmo naqueles com baixa fertilidade natural, como os de Cerrado.

Do total de carbono encontrado no perfil do solo de 0 a 100 cm de profundidade, a camada de 0 a 30 cm representou 48% do total na área de plantio de eucalipto de quatro anos, 50% no plantio de eucalipto de seis anos e 52% no Cerrado nativo. As áreas de plantio de eucalipto com quatro anos de idade (154,23 t/ha) e de Cerrado nativo (154,69 t/ha) estocaram as maiores quantidades de carbono para todas as camadas de solo estudadas. Ou seja, após quatro anos da implantação do eucalipto, não houve redução de carbono no solo, enquanto o plantio de eucalipto de seis anos apresentou os menores valores de carbono no solo (126,26 t/ha).

“O plantio de eucalipto de quatro anos pareceu ter reposto os estoques de carbono do solo no primeiro metro de profundidade, apesar de algumas perdas que possam ter ocorrido logo após o estabelecimento. Por outro lado, uma perda significativa de carbono no solo de 18% (28,43 t/ha) foi observada devido ao uso alternativo, onde uma área natural similar foi convertida em agricultura, principalmente lavoura de soja e, anos depois, transformada em um plantio de eucalipto de seis anos”, comenta Alexsandra de Oliveira.

Ela acrescenta que estudos científicos mostram diminuição nos níveis de carbono nos primeiros anos de conversão da vegetação natural para outros tipos de uso do solo, como lavouras de grãos, período em que uma proporção significativa de carbono do solo que estava fisicamente protegida em agregados estáveis é abruptamente oxidada, resultando na mineralização e na perda para a atmosfera sob a forma de CO2.

As raízes tiveram menor contribuição para o armazenamento total de carbono – 4,9 t/ha na área com eucalipto de quatro anos, 1,9 t/ha no eucalipto de seis anos e 3,1 t/ha no Cerrado nativo, considerando uma profundidade de 0 a 60 cm de profundidade, o que representa, respectivamente, 2,16%, 0,88% e 1,68% do carbono total nas áreas.

Assim, enquanto o eucalipto de seis anos teve o maior estoque de carbono na parte aérea, no eucalipto de quatro anos ocorreu o maior estoque de carbono nas raízes. Os pesquisadores apontam que a menor quantidade de raízes superficiais no plantio mais antigo pode estar relacionada à proporção de raízes que cresceram em profundidade à medida que a idade do plantio aumentava.

Eucalipto jovem estocou mais carbono

Apesar dos diferentes resultados de dinâmica de carbono entre os componentes das árvores, das raízes e do solo nas três áreas avaliadas, os estoques totais de carbono foram maiores no plantio de eucalipto mais jovem, com quatro anos de idade (226,23 t/ha), possivelmente em função da maior produção de biomassa nos estágios iniciais de crescimento – com o passar dos anos, o crescimento da planta diminui. Mas esse resultado, segundo os autores, indica a necessidade de mais estudos em escala de plantios comerciais e com diferentes idades para confirmar as similaridades dos dados encontrados nesse trabalho.

Os pesquisadores destacam a notável capacidade das espécies florestais, nativas ou plantadas, em fixar o gás carbônico (CO2), sempre apresentando saldo positivo (veja a ilustração), mesmo descontando as perdas por respiração, morte das plantas e retorno gradual do CO2 fixado inicialmente para a atmosfera. Eles lembram, no entanto, que o carbono estocado é mantido nas árvores enquanto vivas, na serapilheira e na matéria orgânica do solo por décadas e até milhares de anos em formas orgânicas estáveis no solo.

“Isso valida a importância de florestas nativas e plantadas como drenos de GEE, em especial o CO2, pois mitigam as mudanças climáticas, mostrando relevância para a sustentabilidade local e para a geração de mercado de carbono”, finaliza a engenheira-florestal Fabiana Piontekowski Ribeiro, doutoranda pela UnB à época da pesquisa.

 

Os autores do estudo

A publicação, que está disponível na integra aqui, é assinada por Fabiana Piontekowski Ribeiro, Alcides Gatto, Alexsandra Duarte de Oliveira, Karina Pulrolnik, Marco Bruno Xavier Valadão, Juliana Baldan Costa Neves Araújo, Arminda Moreira de Carvalho e Eloisa Aparecida Belleza Ferreira.

 

Breno Lobato (MTb 9.417/MG)
Embrapa Cerrados