segunda-feira, 24 de março de 2025

Pesquisadores criam ‘software da poda’ para reduzir risco de queda de árvores em áreas urbanas


Imagem da árvore escaneada no campus da USP (crédito: divulgação) 


Luciana Constantino | Agência FAPESP – Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) criaram um software que orienta com precisão a poda de árvores em áreas urbanas, reduzindo o risco de queda. Com os eventos climáticos mais frequentes e extremos, os temporais em grandes cidades têm derrubado um maior número de árvores, provocando perdas econômicas e de vidas.

Somente em São Paulo, após fortes chuvas na capital, a prefeitura contabilizou em um único dia deste mês (12 de março) 330 quedas – em uma delas um carro foi atingido, matando o motorista. Por ano, estima-se que o município tenha cerca de 2 mil quedas de árvores urbanas – excluindo parques públicos e áreas de proteção ambiental.

Segundo os cientistas, o primeiro passo é fazer um escaneamento das árvores, com o uso de equipamento a laser, para captar em pontos diferentes imagens tridimensionais que são colocadas em um modelo computacional. Para fazer a modelagem, o grupo desenvolveu uma combinação de software e chegou a um “algoritmo de poda”, com o objetivo de manter o equilíbrio da árvore.

O trabalho une biologia, matemática e mecatrônica, e está sendo desenvolvido por pesquisadores do Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP), do Instituto de Biociências (IB-USP) e da Escola Politécnica (Poli-USP) no âmbito do Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito (RCGI), um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído por FAPESP e Shell, com apoio de diversas outras empresas, voltado a estudos avançados em bioenergia, agricultura e ciências ambientais para mitigar efeitos das mudanças climáticas.

“As árvores, assim como outras formas na natureza, são estruturas otimizadas, que utilizam apenas o material essencial em sua configuração física. Se você faz uma poda errada, pode provocar fraqueza nessa estrutura. Com o software que desenvolvemos, conseguimos avaliar as deformações, até mesmo a deflexão das árvores devido aos ventos. Com isso, é possível ter um diagnóstico e orientar a poda de forma mais precisa”, diz à Agência FAPESP Emílio Carlos Nelli Silva, professor do Departamento de Engenharia Mecatrônica e Sistemas Mecânicos da USP e vice-diretor científico do RCGI.

Nas primeiras análises, realizadas no campus da USP em São Paulo, os pesquisadores fizeram uma poda de até 20% da copa com base no algoritmo e conseguiram manter o equilíbrio da árvore. Em outro ensaio, com outro tipo de corte, houve aumento dos pontos de fraqueza, com mais possibilidade de queda.

Normalmente, a poda em área urbana é realizada dentro de um plano de manejo ambiental dos municípios para compatibilizar a estrutura do vegetal ao convívio humano, com foco na saúde da árvore, mantendo sua resiliência e equilíbrio. A definição de como será a poda em cada árvore é feita por técnicos ou profissional responsável pelo serviço, no limite de 30% da copa.

“O ser humano não tem a capacidade de fazer essa poda tão precisa como conseguimos usando o escaneamento com algoritmo. Ainda não calculamos o porcentual que o software é capaz de evitar de queda de árvores com a poda mais precisa, mas conseguiremos em breve”, afirma Marcos Buckeridge, professor do Departamento de Botânica do IB-USP e vice-diretor do IEA.

E complementa: “Essa ferramenta vem de uma sequência de trabalhos, que agora conta também com a equipe da engenharia. O próximo passo é uma aproximação com a meteorologia para estudar a velocidade e o direcionamento dos ventos em tempestades. Isso nos ajudará a detectar o lado mais fraco da copa ou se a árvore está em uma área de canalização de vento. Assim, poderemos melhorar a poda e evitar plantio em locais de vento mais forte”.

Pesquisa publicada no ano passado mostrou que as podas drásticas, juntamente com o estado da madeira e o estrangulamento da raiz pelas calçadas, podem ser usadas como preditores de queda de árvores em cidades (leia mais em: agencia.fapesp.br/50618).

Entre os principais fatores em áreas urbanas que influenciam a queda estão a altura dos prédios no entorno, a idade do bairro, a largura da calçada e a altura da árvore. Com a verticalização, elas enfrentam condições desfavoráveis nos chamados “cânions urbanos”, ou seja, fileiras contínuas de edifícios altos que alteram a velocidade do vento local, a dispersão da poluição e os padrões de iluminação e microclima, contribuindo com a queda precoce (leia mais em: agencia.fapesp.br/39341).

‘A maçã de Newton’

Nelli Silva conta que a ideia do software surgiu durante um almoço com Buckeridge em um restaurante de São Paulo – o local abriga em seu interior uma centenária Figueira-de-bengala (Ficus benghalensis), cujo plantio é estimado na década de 1890. Do gênero Ficus, ela tem altura de cerca de 6 metros, com diâmetro da copa de aproximadamente 46 metros.

“Sabia que o Buckeridge trabalhava com essa linha de estudo e eu sempre tive curiosidade sobre as árvores, com estruturas complexas e difíceis de modelar em computador. Então pensamos: por que não usar um algoritmo para restaurar a otimização dessas estruturas por meio da repoda? Foi aí a inspiração da pesquisa”, relembra o professor, especialista em mecânica computacional.

Nelli Silva explica que a natureza frequentemente inspira estudos de otimização estrutural e frutos como a maçã podem servir de modelo para análises. “O formato da maçã é uma estrutura que possui a menor tensão mecânica sujeito a peso próprio. Ela tem uma massa apoiada em um ponto que é o caule. Partimos da ideia de que, se é possível analisar a estrutura otimizada da maçã, seria também com a árvore.”

Na ciência, uma história famosa envolvendo o fruto e que até hoje rende pesquisas e dúvidas é a do físico inglês Isaac Newton https://www.newtonproject.ox.ac.uk/, que teria concebido a Lei da Gravitação Universal ao observar a queda de uma maçã de sua árvore. A lei estabelece que a força de atração de dois corpos deve ser proporcional ao produto de suas massas dividido pela distância entre eles ao quadrado.

Próximos passos

Ao fazer a modelagem a partir das imagens obtidas pelo equipamento a laser, é possível chegar a uma espécie de “arquitetura” da árvore – etapa que contou com a colaboração do professor da USP Marcelo Zuffo, um dos pesquisadores do projeto “CID-SP EMERGÊNCIAS: Centro de Inteligência de Dados em Saúde Pública”, apoiado pela FAPESP por meio do programa Centros de Ciência para o Desenvolvimento (CCD-SP).

Nessa primeira etapa, as análises foram realizadas pela copa. O grupo pretende agora inserir informações das raízes. “A metodologia abre uma perspectiva para fazermos novas simulações computacionais, customizadas para cada espécie e com outros tipos de dados. O método é escalável para mapear árvores de uma cidade toda”, conta Nelli Silva.

De acordo com Buckeridge, algumas prefeituras, entre elas a de São Paulo, já procuraram o grupo para viabilizar o uso do software. “Estamos conectando a ciência ao desenvolvimento da tecnologia para enfrentarmos as mudanças climáticas. Queremos aumentar a velocidade de análise do software e reduzir o custo. Isso abre caminho para startups que queiram ajudar no serviço. Quanto mais árvores tivermos melhor será a resiliência das cidades às mudanças climáticas”, completa o vice-diretor do IEA, que integra o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) do Bioetanol, financiado pela FAPESP e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Procurada pela reportagem, a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) da Prefeitura de São Paulo informou estar “em tratativas para conhecer o software e avaliar sua aplicabilidade nos serviços de manejo arbóreo da cidade” dentro do compromisso com a adoção de tecnologias que aprimorem a gestão ambiental.

A secretaria diz que pretende analisar de que forma a ferramenta pode contribuir com a poda preventiva e a redução do risco de queda de árvores, especialmente durante temporais.
 

segunda-feira, 10 de março de 2025

Nova metodologia de inteligência geoespacial torna mais precisa e rápida a gestão do uso da terra

Os pesquisadores aplicaram a nova metodologia em Mato Grosso usando dados da safra estratégica de 2016/2017 (imagem: Michel Eustáquio Dantas Chaves) 

Luciana Constantino | Agência FAPESP – Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Tupã, desenvolveram e testaram uma nova metodologia de inteligência geoespacial que pode contribuir de forma mais rápida e precisa com projetos de gestão do uso da terra e de planejamento territorial. Com a ferramenta, foi possível delimitar com precisão áreas de floresta amazônica, vegetação de Cerrado, pastagens e culturas agrícolas em sistema de cultivo duplo, algo que pode fornecer subsídios para políticas públicas voltadas à produção agrícola e conservação ambiental.

Combinando arquitetura de cubos de dados (prontos para análise), disseminada no país por meio do projeto Brazil Data Cube, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e a abordagem Geobia (sigla em inglês para Geographic Object-Based Image Analysis), os cientistas conseguiram identificar a vegetação e as práticas de cultivo duplo – soja e milho, por exemplo – ao longo de uma safra no Estado de Mato Grosso. Foram usadas séries temporais de imagens de satélite do sensor Modis (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer), da Nasa, a agência espacial norte-americana.

Os resultados indicaram que a combinação proposta, aliada a algoritmos de aprendizado de máquinas (inteligência artificial), alcançou 95% de acerto no mapeamento.

A Geobia é uma técnica que permite o processamento de imagens de satélite a partir de segmentações que agrupam pixels semelhantes em geo-objetos e estuda suas características, como forma e textura, além da reflectância. Isso permite, em muitos casos, uma interpretação mais próxima da realidade. Os cubos de dados, por sua vez, armazenam informações em dimensões – tempo e localização –, facilitando a agregação e visualização de informações referentes a determinado local em um período específico, como áreas de cultivo em um ano-safra.

Atualmente, os mapeamentos utilizam análises de imagens por pixel isoladamente, o que acaba gerando problemas de bordas, com indefinição em algumas áreas. “Os trabalhos científicos têm colocado a confusão espectral em zonas de borda entre usos da terra distintos como um ponto a ser melhorado. Assim, resolvemos segmentar as imagens e avaliar o objeto geográfico como unidade mínima de análise, e não o pixel. É como se a imagem fosse quebrada e classificada de acordo com cada peça. Com isso, foi possível reduzir erros recorrentes de borda e identificar os alvos de forma aderente, mesmo usando resolução espacial moderada”, diz à Agência FAPESP o professor da Faculdade de Ciências e Engenharia da Unesp Michel Eustáquio Dantas Chaves, autor correspondente do artigo.

Chaves vem usando a arquitetura de cubos de dados há alguns anos para desenvolver ferramentas que contribuem em análises com enfoque no avanço da fronteira agrícola, especialmente no Cerrado (leia mais em: agencia.fapesp.br/50142).

Segundo o professor, a metodologia pode ser replicada para avaliar imagens oriundas de outros satélites de observação da Terra, como Landsat e Sentinel, que fornecem dados para estudos científicos, mapeamento e monitoramento. Imagens de ambos estão sendo trabalhadas agora pela equipe coordenada pelo professor.

O artigo descrevendo a metodologia foi publicado na edição especial Research Progress and Challenges of Agricultural Information Technology, da revista científica AgriEngineering. O estudo teve apoio da FAPESP por meio de três projetos (21/07382-2, 23/09903-5 e 24/08083-7).

Aplicação na prática

O Mato Grosso lidera a produção nacional de grãos, com 31,4% do total do país, seguido do Paraná (12,8%) e Rio Grande do Sul (11,8%). A estimativa é que o Estado atinja 97,3 milhões de toneladas na safra 2024/2025 – um aumento de 4,4% em relação à anterior, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Praticamente metade dessa produção (46,1 milhões de toneladas) deve ser de soja.

Além disso, o Mato Grosso é um dos Estados com maior biodiversidade – abriga parte de três dos seis biomas brasileiros. Cerca de 53% de seu território está na Amazônia, 40% no Cerrado e 7% no Pantanal.

Devido a essa heterogeneidade dos usos do solo e tipos de vegetação em seu território, os pesquisadores aplicaram a nova metodologia em Mato Grosso usando dados da safra estratégica de 2016/2017, na qual o Brasil produziu 115 milhões de toneladas de soja, sendo 30,7 milhões de toneladas no Estado. As classificações de uso do solo foram associadas às terras agrícolas (pousio-algodão, soja-algodão, soja-milho, soja-pousio, soja-milheto e soja-girassol), além de culturas de cana-de-açúcar, áreas urbanas e corpos d’água.

Os resultados indicaram precisão geral de 95%, mostrando o potencial da abordagem para fornecer mapeamentos que otimizam a delimitação de florestas e terras agrícolas. “Como a abordagem consegue identificar os alvos de forma aderente, a metodologia pode ser aplicada em estimativa de área ainda dentro de uma mesmo safra, favorecendo estimativas de produtividade; em ações de planejamento territorial e tudo o que trate do uso e da cobertura da terra para tomada de decisão”, detalha Chaves sobre a aplicação da ferramenta.

O professor explica que a metodologia também permite analisar perturbações em florestas e outros tipos de vegetação natural. “É mais rápido identificar se há desmatamento do que degradação. Esse método permitiu detectar essas variações de forma mais rápida.”

No artigo, os cientistas fazem uma homenagem à professora Ieda Del’Arco Sanches, pesquisadora de sensoriamento remoto no Inpe, que faleceu em janeiro. “Esse artigo é uma forma de agradecê-la pelos ensinamentos e seguir seu legado. Ieda sempre trabalhou para avaliar a superfície terrestre com precisão e tratar os dados de forma ética e responsável, mostrando como eles podem contribuir para a construção de políticas públicas", completa Chaves.

O artigo Mixing Data Cube Architecture and Geo-Object-Oriented Time Series Segmentation for Mapping Heterogeneous Landscapes pode ser lido em: www.mdpi.com/2624-7402/7/1/19.


quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Solo mais ácido diminui capim invasor e ajuda a restaurar vegetação nativa do Cerrado, aponta estudo

 

André Julião | Agência FAPESP – Em estudo publicado na revista Restoration Ecology, um grupo liderado por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) aponta um caminho promissor para a restauração do Cerrado.


Aplicação de sulfato ferroso em área em restauração na Chapada dos Veadeiros (foto: Demétrius Lira Martins)

Por meio de um experimento realizado no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, os autores demonstraram como, diferentemente do que fazem algumas iniciativas de restauração convencionais, não se deve adicionar nutrientes ao solo quando se trata do Cerrado, pelo contrário.

Em uma área em restauração dentro do parque, os pesquisadores analisaram o crescimento de gramíneas invasoras e de espécies nativas depois da aplicação de sulfato ferroso, que torna o solo mais ácido e diminui a disponibilidade de nutrientes. Nos locais em que o mineral foi aplicado, reduziu-se em quase 71% a ocorrência de invasoras, sem que houvesse prejuízo para as nativas.

“As plantas do Cerrado têm uma baixa demanda nutricional, são de crescimento lento. Enquanto as gramíneas invasoras crescem rápido e demandam muitos nutrientes. O sulfato ferroso devolve ao solo a condição mais próxima da original, favorecendo as nativas e dificultando o crescimento das invasoras”, explica Demétrius Lira Martins, que conduziu o trabalho durante seu pós-doutorado no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, com apoio da FAPESP.

A área de 50 hectares passou a ser restaurada em 2016, após cerca de 30 anos como pastagem. Quatro anos depois de retirado o capim exótico, feita a preparação do solo e a semeadura de espécies nativas, o local foi novamente tomado pelas gramíneas africanas.

Em 2021, a restauração foi retomada. Desta vez, foi estabelecido o experimento para verificar o efeito da acidificação do solo na contenção do capim exótico. Os pesquisadores demarcaram 14 blocos de 100 metros quadrados (m2). Em cada um deles, separaram quatro blocos menores, de 1 m2 cada, separados em 10 metros de distância entre si.

Em metade desses blocos, foi aplicado sulfato ferroso no solo antes da semeadura de gramíneas e arbustos nativos. Após quatro meses da última aplicação, foram coletadas e pesadas amostras das plantas que cresceram em cada quadrado, tanto nativas quanto exóticas.

Ao comparar os blocos, observou-se uma redução de 70,7% na biomassa das espécies invasoras onde foi realizada a acidificação, sem que houvesse prejuízo às espécies nativas. 

“A acidificação aumentou os níveis de alumínio no solo, que é tóxico para plantas convencionais. Mas as espécies nativas lidam muito bem com isso. Não é à toa que a primeira coisa que se faz após desmatar uma área de Cerrado para lavoura ou pastagem é fazer a calagem [aplicação de calcário], que diminui a disponibilidade de alumínio e aumenta de outros nutrientes”, conta Martins.



No alto, bloco experimental em início de implementação e que teve o solo acidificado ficou livre de capim invasor, com nativas retornando lentamente.
Na outra foto, local que não recebeu o sulfato ferroso tomado pelas espécies africanas (fotos: Demétrius Lira Martins)

Estratégias

O estudo integra o projeto “Restaurando ecossistemas neotropicais secos: seria a composição funcional das plantas a chave para o sucesso?”, apoiado pela FAPESP e coordenado por Rafael Silva Oliveira, professor do IB-Unicamp.

A estratégia apresentada agora se soma a outras desenvolvidas pelo grupo. Em trabalho anterior, também apoiado pela FAPESP, os pesquisadores mostraram como uma maior diversidade de espécies nativas funciona como forma de conter gramíneas invasoras (leia mais em: agencia.fapesp.br/50773).

No caso da acidificação, os pesquisadores ressalvam que o sulfato ferroso é apenas um dos compostos que podem realizar essa função. Experimentos no hemisfério Norte, por exemplo, usaram enxofre para o mesmo fim. Mas para realizar algo em grande escala no futuro é preciso antes avaliar o melhor custo-benefício.

“Em tese, qualquer substrato ácido pode servir. Uma das opções poderia ser o resíduo do processamento da cana-de-açúcar, que é abundante e barato. Por sua vez, a cama de frango descartada [serragem ou outro material usado no chão de granjas] é bastante ácida, mas contém muito nitrogênio, que favorece as invasoras. É preciso avaliar os possíveis impactos de cada opção e a viabilidade financeira”, pontua o pesquisador.

Ainda segundo Martins, outro fator a ser levado em conta em futuros trabalhos de restauração é a comunidade microbiana do solo, algo ainda pouco conhecido quando se trata do Cerrado.

“Os microrganismos do solo são a base da ciclagem de nutrientes. Por isso, formas de trazer de volta os originais do Cerrado são fundamentais para restaurar esse bioma tão ameaçado”, encerra.

O artigo Soil acidification controls invasive plant species in the restoration of degraded Cerrado grasslands pode ser lido em: onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/rec.14294.
 

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Formação de novas partículas acima do topo das árvores contribui com as chuvas na Amazônia
08 de novembro de 2024

Pesquisa publicada na Nature Geoscience e liderada por cientista brasileiro mostra como explosões de nanopartículas induzidas pela chuva ajudam a formar nuvens e precipitação, influenciando o ciclo de água, clima e balanço energético da Terra

Luciana Constantino | Agência FAPESP – Pesquisa publicada nesta sexta-feira (08/11) na revista Nature Geoscience desvenda uma importante peça do quebra-cabeça que busca explicar a formação de chuvas na Amazônia, uma das regiões mais influentes no clima global. Segundo o estudo, a floresta é capaz de produzir sozinha aerossóis que, induzidos pela própria chuva, desencadeiam um processo de novas formações de nuvens e precipitação, influenciando assim o ciclo de água, o clima e o balanço energético da Terra.

O trabalho mostra que, com a chuva, há um aumento na concentração de ozônio que oxida moléculas naturalmente liberadas por gases exalados pela floresta, os chamados compostos volatéis orgânicos, especialmente terpenos. A oxidação produz novas partículas muito pequenas logo acima do topo das árvores, em uma espécie de explosão de nanopartículas (menores que 40 nanômetros). Essas partículas, por sua vez, dão origem a núcleos de condensação que levam novamente à formação de nuvens mesmo em condições de ar puro na estação chuvosa.

A descoberta abre novas perspectivas nas complexas interações químico-atmosféricas, meteorológicas e dos ciclos de retroalimentação que os cientistas chamam de “oceano verde”, isto é, a capacidade da Amazônia de gerar seu próprio ciclo de nuvens e chuva de forma semelhante ao oceano. Até então, acreditava-se que a floresta não conseguia produzir esses aerossóis, e a hipótese era de que eles vinham de altitudes maiores.

Para que haja chuva, além de vapores d’água, são necessárias partículas atmosféricas que atuem como núcleos de condensação, ou seja, superfícies onde o vapor pode se transformar em gotículas. No entanto, a origem desse processo na Amazônia ainda era pouco compreendida, principalmente durante a estação chuvosa.

Agora, uma equipe internacional, com pesquisadores do Brasil, Alemanha e Suécia, analisou um extenso conjunto de vários tipos de dados do Observatório de Torre Alta da Amazônia, ATTO na sigla em inglês, para mostrar esse processo. Estão incluídas informações meteorológicas, de gases, entre outras.

“É uma simbiose que ocorre em todo o processo. A chuva por um lado limpa a atmosfera, reduzindo o número de partículas. Porém, ao mesmo tempo inicia um processo de formação de novas partículas que vão crescer e servir como núcleo de condensação para a próxima chuva”, explica à Agência FAPESP o professor Luiz Augusto Toledo Machado, autor correspondente do artigo, pesquisador do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e colaborador do Departamento de Química do Instituto Max Planck, na Alemanha.

A FAPESP apoia o trabalho por meio de dois Projetos Temáticos vinculados ao Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) – um deles liderado por Machado e outro pelo professor Paulo Artaxo, também do Instituto de Física da USP e coautor do artigo.

No estudo, os pesquisadores descobriram que, após a chuva, as concentrações de partículas são mais altas próximas ao topo das árvores (dossel), indicando que elas são formadas dentro da floresta. Esse processo persiste na estação chuvosa, que normalmente ocorre de dezembro a maio, indicando formação contínua de partículas dentro do dossel e de uma nova população de partículas.

“Nossas descobertas marcam uma mudança de paradigma no entendimento das interações entre partículas de aerossol, nuvens e precipitação na Amazônia. Essas interações são críticas para compreender alterações no balanço radiativo da Terra, especialmente à medida que as mudanças climáticas influenciam a circulação atmosférica, como os eventos de El Niño e La Niña”, diz Ulrich Pöschl, diretor do Departamento de Química do Instituto Max Planck, também coautor do trabalho, em comunicado da instituição.

Segundo os cientistas, esses resultados são essenciais para entender como mudanças nos padrões climáticos amazônicos podem afetar não só o clima global, mas a estabilidade ecológica.

Quadro atual

O Brasil vive neste ano uma das piores secas da história, atingindo vários Estados. Na Amazônia Legal, cerca de 69% dos municípios foram afetados em algum grau nos primeiros seis meses, superando o mesmo período de 2023. Foram 531 cidades das 772 da região, segundo levantamento do InfoAmazônia com base no Índice Integrado de Seca, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

Impulsionada pelo El Niño, a crise climática também tem afetado os rios amazônicos, que vêm registrando os níveis mais baixos, deixando ilhadas populações ribeirinhas e afetando abastecimento e transporte. De acordo com o Serviço Geológico Brasileiro (SGB), a seca ainda pode agravar essa situação até dezembro – Boletim de Alerta Hidrológico da Bacia do Amazonas aponta que a tendência é que o rio Negro tenha "repiquetes" até o último mês e volte a subir só em janeiro. Já o rio Acre, por exemplo, teve mínima histórica de 1,23 metro em Rio Branco no final de setembro.

Por outro lado, apesar de o desmatamento na Amazônia ter caído cerca de 30,6% entre agosto de 2023 e julho deste ano comparado a agosto de 2022 e julho de 2023 (ficou em 6.288 km² ante 9.064 km²), segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a degradação da floresta, principalmente pelas queimadas, aumentou.

Segundo Machado, o desmatamento e a degradação têm impactos importantes no ciclo de chuvas da Amazônia. “Para haver os gases que formam as partículas, é preciso ter a floresta. Sem árvores e sem vapor na atmosfera, não há partículas, reduzindo ainda mais as chuvas.”

Com base nos dados do ATTO, o grupo conseguiu mostrar como a precipitação pode desencadear a formação de novas partículas no dossel da floresta. Localizado no meio da Amazônia, na Reserva Biológica de Uatumã, a cerca de 150 km ao norte de Manaus, o ATTO é administrado conjuntamente por cientistas do Brasil e da Alemanha. Tem uma torre com 325 metros de altura e outras duas de 80 metros.

Construção da ciência

Em 2016, o grupo já havia encontrado formação de novas partículas no topo da troposfera em torno de 14 km de altura, embora ainda não tivesse entendido o processo de formação e seu papel no clima (leia mais em: agencia.fapesp.br/24177). Um novo artigo está sendo preparado apresentando essas explicações.

Para descrever como essas partículas eram produzidas, os cientistas fizeram um experimento de campo, que chamaram de CAFE-Brazil, sigla em inglês para Chemistry of the Atmosphere: Field Experiment in Brazil. “Em 2023, fizemos essas grandes quantidades de medida e chegamos a descrever todo o processo de como se formam as partículas lá em cima”, completa Machado.

Para as futuras pesquisas, apontam a necessidade de experimentos em câmaras no nível do dossel das árvores para controlar a concentração de ozônio e entender melhor sua influência na formação das partículas envolvidas na chuva.

O artigo Frequent rainfall-induced new particle formation within the canopy in the Amazon rainforest pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41561-024-01585-0.