segunda-feira, 21 de julho de 2025

Secas mais frequentes e intensas reduzem capacidade da Amazônia de recircular água e estocar carbono

Em 2015, 63% da Amazônia passou por estresse hídrico; em 2016, 51% e em 2023, 61%. A cada grau de aumento da temperatura há uma redução de 6% nos estoques de CO2 da floresta (foto: Eduardo Cesar/Pesquisa FAPESP)
 

Diminuição das chuvas, elevação da temperatura e o prolongamento da estação seca no bioma têm causado aumento na mortalidade de árvores mais antigas, apontam estudos realizados por pesquisadores do Cemaden, Inpe e Inpa; resultados foram apresentados durante a 77ª Reunião da SBPC, em Recife

Elton Alisson, de Recife | Agência FAPESP – A extensão das áreas afetadas e a duração da estação seca na Amazônia aumentaram nas últimas décadas. Esse quadro, combinado com a recorrência de extremos de temperatura, como as ondas de calor que atingiram a região em 2020, além do desmatamento e o uso de fogo, tem elevado o estresse hídrico das árvores e, consequentemente, afetado a capacidade da floresta de realizar a ciclagem da água e estocar carbono.

As constatações foram feitas por meio de estudos conduzidos por pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e do Laboratório de Sistemas Tropicais e Ciências Ambientais (Trees, na sigla em inglês) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Alguns resultados dos trabalhos foram apresentados durante uma mesa-redonda sobre desmatamento, queimadas e ponto de não retorno (tipping point) do bioma amazônico que aconteceu quarta-feira (16/07) durante a 77ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), no campus da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), em Recife.

“A água é um elemento vital para entender a Amazônia e pensar sobre seu futuro. O bioma só existe porque tem água na região. Porém, mais da metade da floresta tem enfrentado eventos de estresse hídrico nos anos recentes”, disse Liana Anderson, pesquisadora do Cemaden e integrante da coordenação do Trees.

De acordo com a pesquisadora, entre 50% e 60% das chuvas que ocorrem na Amazônia são resultantes da água evaporada do oceano e trazida para o continente, onde é capturada pela floresta e lançada novamente para a atmosfera pelo processo de evapotranspiração, permitindo que seja dispersada por todo o bioma e para outras regiões do Brasil e da América do Sul.

A redução das chuvas e o aumento da temperatura durante a estação seca observados nos últimos 40 anos na Amazônia, contudo, podem reduzir a ciclagem regional da água pela floresta. Além disso, o aumento da temperatura do ar eleva as demandas metabólicas das árvores, o que pode resultar em maiores perdas de carbono por meio da respiração.

As temperaturas mais altas também podem afetar negativamente a fotossíntese das árvores por meio do aumento da fotorrespiração e causar danos estruturais nas folhas, sublinhou a pesquisadora.

“A redução das chuvas, o aumento da temperatura e o prolongamento da estação seca que têm sido observados na Amazônia nos últimos 40 anos podem levar ao aumento da mortalidade de árvores. Temos feito estudos e medições de campo que mostram que há grandes árvores morrendo durante a estação seca”, afirmou Anderson.

“Quando começa a ter mortalidade maior dessas árvores, que pegam a água do solo da floresta por meio de raízes mais profundas e jogam para a atmosfera, isso significa que esse sistema de ciclagem da água está sendo minado. Com isso começa a ter uma possível mudança na estrutura da floresta, que também influencia no ciclo hidrológico”, apontou.

Um estudo em andamento, conduzido por pesquisadores do Trees, indicou um aumento da duração da estação seca na Amazônia entre 2000 e 2023. De acordo com resultados do trabalho, em revisão, 63% da região passou em 2015 por estresse hídrico. Em 2016, o número oscilou para 51% e em 2023 aumentou para 61%.

“As regiões com maior concentração da estação seca nesse período foram nas bordas da Amazônia”, afirmou Anderson.

Paisagem mais inflamável

As áreas da floresta submetidas a 100 milímetros de déficit durante uma seca na região em 2005 perderam 100 toneladas de carbono por hectare, apontou outro estudo conduzido por pesquisadores do Inpe, com apoio da FAPESP. Combinado com o aumento da temperatura, os efeitos da perda de estoques de carbono pela Amazônia podem ser piorados, apontaram os autores.

“A cada grau de aumento da temperatura há uma redução de 6% nos estoques de carbono da floresta. Quanto mais quente, mais as árvores morrem e o material lenhoso delas fica acumulado no chão da floresta, tornando essas áreas mais suscetíveis a incêndios”, disse Luiz Aragão, pesquisador do Inpe e membro da coordenação do Trees e do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).

Quanto mais uma paisagem da floresta é fragmentada pela perda de vegetação, mais vulnerável ela se torna ao fogo, indica um estudo em andamento conduzido pelo pesquisador e colaboradores.

“Temos observado que em paisagens mais contínuas da floresta a área queimada só aumenta durante os anos de seca. Em anos normais elas apresentam um nível muito baixo de área queimada. Em contrapartida, em paisagens mais fragmentadas há áreas queimadas muito grandes. Ou seja, a fragmentação torna esse tipo de paisagem mais inflamável. É como se ela ficasse seca constantemente”, contou Aragão.

Refúgios hidrológicos

Algumas partes da floresta podem prover refúgios hidrológicos para a Amazônia resistir ao aumento da intensidade e frequência de secas, indicam dados de estudos conduzidos por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

Por meio de estudos em campo, conduzidos em áreas situadas no norte e no sul de Manaus e com diferentes geomorfologias, os pesquisadores têm constatado que florestas com lençol freático raso têm resistido mais às secas, enquanto as que estão situadas em lençol profundo tiveram maior mortalidade e menor crescimento.

O crescimento das árvores nos anos recentes de seca extrema se manteve estável ou até mesmo aumentou em áreas com lençol freático superficial, indicaram os estudos.

“É importante lembrar que 50% da Amazônia tem lençol freático raso, mas a maior parte dos estudos sobre as respostas da floresta às mudanças climáticas está focando em áreas com lençol freático mais profundo. Dessa forma, talvez ainda não saibamos qual será a verdadeira resposta da floresta às secas se estivermos olhando para um tipo de ambiente que só representa parte da Amazônia”, ponderou Flávia Regina Capelloto Costa, pesquisadora do Inpa e coordenadora dos estudos.
 

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Fogo e agricultura impulsionam a degradação do solo no sul da Amazônia


Floresta degradada pela queima no chamado Arco do Desmatamento da Amazônia (foto: Mário Lucas Medeiros Naval/Cena-USP) 


José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Incêndios florestais frequentes e expansão agrícola estão degradando a saúde dos solos do sul da Amazônia, com danos duradouros sobre os estoques de carbono (C) e nitrogênio (N) e sobre a funcionalidade geral do solo dos ecossistemas. É o que mostra um estudo realizado por pesquisadores brasileiros e estrangeiros na Estação de Pesquisa Tanguro, localizada na região de transição entre a Floresta Amazônica e o Cerrado, no Arco do Desmatamento Amazônico.

“Estamos falando de um fogo que não é natural. No Arco do Desmatamento, as queimadas recordes resultam da combinação da expansão agrícola e pecuária, degradação de florestas nativas vizinhas e secas prolongadas provocadas pelas mudanças climáticas – todas promovidas pela ação humana”, afirma o pesquisador Mário Lucas Medeiros Naval, primeiro autor do estudo. “Nosso trabalho mostra como essas queimadas sucessivas têm impacto de longo prazo na matéria orgânica e em outros atributos essenciais do solo e como isso se compara à agricultura da região”, comenta.

O estudo, publicado na revista Catena, analisou os efeitos da conversão da floresta para agricultura e da frequência de queimadas sobre a matéria orgânica do solo, além de diversos indicadores físico-químicos de saúde do solo. Foram comparados quatro cenários: floresta intacta, floresta queimada anualmente, a cada três anos e área convertida para agricultura, sob sistema de plantio direto e com rotação de culturas.

“Nossos resultados mostram uma diminuição nos estoques de carbono no solo de 17% com queimas anuais, 19% com queimas trianuais e 38% com a conversão agrícola”, diz Naval. “Mesmo quando a agricultura adota boas práticas, como rotação de culturas e plantas de cobertura, ainda assim gera perdas mais severas de carbono do solo do que o fogo que incide sobre florestas nativas.”

O pesquisador explica que a área estudada é uma floresta de transição, que se assemelha ao cerradão, com árvores de 20 metros de altura em média. “Ela não é tão alta como a floresta do centro da Amazônia, mas também não é cerrado stricto sensu. E é justamente nessa região que a fronteira agrícola tem avançado com mais força, principalmente com a soja”, afirma.

A pesquisa foi realizada em uma área experimental de 150 hectares, gerenciada pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), dentro da reserva legal de uma propriedade privada, onde há a Estação de Pesquisa Tanguro. “Tivemos acesso a uma área grande, com 50 hectares para cada tipo de tratamento, o que nos permitiu uma amostragem representativa”, destaca o pesquisador.

“Um aspecto importante do estudo é que avaliamos os solos nove anos após a última queimada. Mesmo com o tempo de recuperação da floresta, os estoques de carbono e nitrogênio ainda estavam significativamente reduzidos”, acrescenta. Segundo Naval, as perdas de carbono e nitrogênio comprometem propriedades essenciais, dados os múltiplos benefícios da matéria orgânica para diversos indicadores de saúde do solo. “Por exemplo, nossos resultados evidenciam que, diminuindo os estoques de carbono, grande parte da capacidade de troca catiônica [CTC, uma das formas de mensurar a capacidade de retenção de nutrientes do solo] é perdida”, explica o pesquisador. Assim, o estudo também revelou impactos sobre outros indicadores físicos e químicos, evidenciando uma degradação mais ampla da saúde do solo.

A pesquisa demonstrou que a perda de carbono total – somando o carbono armazenado na biomassa acima do solo e o carbono armazenado no solo – chegou a 33% na queima anual e 48% na queima trianual. “Isso mostra que, do ponto de vista do ecossistema como um todo, as frequências de fogo têm impacto diferenciado, ainda que no solo a diferença estatística entre os dois regimes não tenha sido significativa”, explica.

“Ao contrário do Cerrado, onde o fogo é natural do ecossistema e exerce um papel ecológico, na Amazônia nós estamos falando de um elemento que é exógeno e induzido pela mudança no uso do solo, não de queimadas naturais. Queimar a Floresta Amazônica significa interferir em um ambiente não adaptado ao fogo”, resume Naval.

Os autores recomendam a adoção de políticas de contenção da fronteira agrícola, prevenção de incêndios florestais e implementação de sistemas agrícolas mais biodiversos, como as agroflorestas. Segundo eles, essas práticas armazenam grandes quantidades de carbono, essenciais para a estabilidade climática global, e preservam a saúde dos solos amazônicos.

“A busca por alternativas ao modelo convencional de produção agrícola é essencial não apenas para a preservação ambiental, ao evitar novas queimadas, mas também para garantir a segurança alimentar da população” esclarece o pesquisador Plínio Barbosa de Camargo, um dos coordenadores do estudo.

O trabalho integra o projeto internacional Amazon PyroCarbon, financiado pela FAPESP e pelo Natural Environment Research Council (NERC) e UK Research and Innovation (UKRI), ambos do Reino Unido. A iniciativa estuda os impactos do fogo em diferentes regiões da Amazônia e é coordenada por Camargo e Ted Feldpausch, da Universidade de Exeter. “Esse trabalho na Estação de Pesquisa Tanguro é apenas parte de uma iniciativa mais ampla que está mapeando como o fogo afeta os solos amazônicos em vários pontos do bioma”, diz Naval, atualmente mestrando no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena-USP). O financiamento do estudo também contou com bolsa de pós-doutorado fornecida ao segundo autor, Wanderlei Bieluczyk.

O artigo Impacts of repeated forest fires and agriculture on soil organic matter and health in southern Amazonia pode ser acessado em https://doi.org/10.1016/j.catena.2025.108924.
 

FUNBIO 29 ANOS


 

sexta-feira, 9 de maio de 2025

Ferramenta identifica áreas ecologicamente equivalentes para orientar projetos de restauração

Ferramenta teve como sistema de estudo a Mata Atlântica, um dos biomas mais biodiversos e ameaçados no mundo (foto: Clarice Borges-Matos)
 

Luciana Constantino – Com recordes sucessivos de altas temperaturas no mundo e a ocorrência mais frequente de eventos climáticos extremos, a restauração ecológica de áreas degradadas e os novos mercados que a envolvem – como o de carbono e o de biodiversidade – têm ganhado destaque. Nesse cenário, pesquisadores brasileiros desenvolveram uma ferramenta para tornar mais eficazes esquemas de compensação ambiental, uma obrigação legal para minimizar ou reparar danos causados pela ação humana ao meio ambiente.

Chamada de Condition Assessment Framework (nome em inglês para Esquema de Avaliação de Condição Ambiental), a nova ferramenta permite avaliar a equivalência ecológica de uma área a ser restaurada ou protegida em relação à degradada considerando três importantes atributos: biodiversidade, paisagem e serviços ecossistêmicos. Foi projetada para atender com compensações mais precisas às exigências de reserva legal da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (nº 12.651/2012) e teve como sistema de estudo a Mata Atlântica, um dos biomas mais biodiversos e ameaçados no mundo.

Apontou que a combinação de proteção e restauração é a melhor alternativa para resolver os chamados “déficits de vegetação nativa”, garantindo benefícios ambientais e socioeconômicos. Esses déficits ocorrem quando a cobertura de floresta em uma propriedade está abaixo do mínimo exigido por lei, não sendo suficiente para auxiliar na manutenção da capacidade de funcionamento dos ecossistemas, com biodiversidade e ciclos de água e carbono equilibrados, por exemplo.

Os resultados da aplicação do Condition Assessment Framework mostraram que proteção seguida de restauração conseguiu resolver 99,47% do déficit no bioma Mata Atlântica no Estado de São Paulo, com adicionalidade e custo (US$ 1,29 bilhão) intermediários. Vale explicar que, no contexto ambiental, a adicionalidade ocorre quando os resultados positivos gerados, como a redução de emissões, não teriam ocorrido de outra maneira, ou seja, sem que o projeto específico fosse realizado.

Quando as estratégias são analisadas individualmente, a restauração é a mais eficaz e com maior adicionalidade (98,99% de resolução), porém tem valor elevado (US$ 2,1 bilhões). Em seguida, com eficácia bem menor, ficaram as estratégias de proteção (40,22% e US$ 14,3 milhões) e regularização fundiária em Unidades de Conservação (0,15% e US$ 104 mil).

O modelo, segundo os cientistas, é o primeiro a integrar as demandas atuais de avaliação de equivalência, a partir de um método relativamente simples e de dados espacialmente explícitos analisados em Sistemas de Informações Geográficas (GIS). Flexível, permite adaptação para outros biomas e legislações, mostrando-se uma inovação promissora a ser usada em projetos de compensação e conservação.


Distribuição espacial do déficit de Reserva Legal (RL) em hectares (ha) resolvido em cada hexágono pelas estratégias de compensação aplicadas nos cenários testados. No primeiro cenário, o teste foi apenas da estratégia de proteção da floresta usando somente os excedentes de RL. No segundo, a área de proteção foi o excedente somada às RL de pequenas propriedades (< 4 módulos fiscais). No terceiro e no quarto cenários, as estratégias de restauração e de regularização fundiária em Unidade de Conservação (UC) foram testadas separadamente. Por fim, os últimos cenários testaram formas de proteção seguidas de restauração, apresentando resultados muitos semelhantes e que demonstraram o melhor custo-benefício para compensação de RL

 

No futuro, pode vir a ser adaptado a créditos de biodiversidade – um novo mercado em formulação que busca financiar iniciativas de conservação, protegendo ou restaurando espécies nativas – e para análise de corredores ecológicos.

A descrição da metodologia está publicada em um artigo na revista Environmental and Sustainability Indicators e os resultados da aplicação do método estão em outro na Environmental Impact Assessment Review.

“Fizemos o teste na Mata Atlântica, avaliando uma região no interior do Estado de São Paulo e outra na parte costeira. Observamos que o método realmente detecta as diferenças ambientais entre áreas. No interior, apesar de mais desmatado, é possível encontrar mais áreas ecologicamente equivalentes do que próximo à costa, onde há muita heterogeneidade ambiental”, diz a pesquisadora Clarice Borges-Matos, primeira autora dos artigos, que à época estava no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e, atualmente, está na Escola Politécnica (Poli) da USP.

Apoiada pela FAPESP por meio do Programa BIOTA e de bolsas (17/26684-4 e 18/22881-2), a pesquisa é parte do doutorado de Borges-Matos, sob a orientação do professor Jean Paul Metzger, que também assina os dois artigos.

“A tese foi focada em como medir a equivalência ecológica e mostrar a possibilidade de fazer uma compensação usando esses critérios. Ao levar a equivalência em consideração, as áreas a serem compensadas terão similaridade com as originalmente devastadas, tanto em biodiversidade como em serviços ecossistêmicos. Por exemplo, se uma mata oferecia o serviço de polinização, é preciso que ele continue existindo em áreas a serem compensadas. A equivalência deve ser tanto em termos de composição de espécies quanto de função ecológica”, explica Metzger à Agência FAPESP.

A legislação

A Lei de Proteção da Vegetação Nativa, conhecida como novo Código Florestal, estabelece regras para uso da terra e proteção ambiental dentro de propriedades privadas, as chamadas reservas legais. Exige que uma parte da área rural seja mantida com vegetação nativa, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente.

Nos Estados da Amazônia Legal, é obrigatório manter a cobertura de vegetação em 80% da área dos imóveis situados na floresta, em 35% no Cerrado e 20% em campos gerais – o mesmo porcentual para o restante do país.

Os déficits na extensão da reserva legal devem ser compensados por meio de proteção da vegetação existente em outra propriedade ou restauração. A única exigência ambiental é que a compensação seja realizada dentro do mesmo bioma onde há o déficit.

Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela equivalência ecológica de espécies e ecossistemas específicos em negociações de compensação de reserva legal. Em um novo julgamento, cinco anos depois, estabeleceu que a equivalência deveria ser estendida a todas as formas de compensação presentes na lei. Essa exigência, no entanto, foi questionada sob argumentos como: falta de definição das formas de mensurar a equivalência ecológica e dos níveis de equivalência a serem buscados.

Em 2024, o STF manteve o bioma como único mecanismo compensatório. Ter apenas esse critério como requerimento ambiental pode levar à implementação das compensações para áreas muito distintas daquelas onde houve a perda de vegetação, já que os biomas brasileiros são muito heterogêneos. Além disso, em algumas regiões, como em São Paulo, é possível que toda ou a maior parte das áreas compensadas fique em excedentes de reserva legal, ou seja, vegetação já existente, com pouca restauração.

A equivalência ecológica é importante não só para assegurar ambientes e recursos aos animais e plantas nativas como para proteger fontes e cursos d’água, conter erosões, além da manutenção de outros serviços ecossistêmicos, entre eles a polinização natural, indispensável para boa parte da agricultura.

“A restauração ecológica tem sido vista como uma questão funcional, não apenas de área. Na hierarquia da mitigação [um esquema aplicado para controlar impactos de empreendimentos sobre o meio ambiente], se não conseguimos evitar o dano, é necessário minimizá-lo e compensá-lo com impacto positivo. Nesse sentido, métricas como essas são muito úteis e poderão ser usadas de várias formas”, completa Metzger, que estuda o tema há anos e participou como autor principal da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês).

O Brasil reafirmou recentemente a meta estabelecida no Acordo de Paris de restaurar pelo menos 12 milhões de hectares de florestas até 2030 – uma área pouco menor que o território do Amapá. Em outubro de 2024, lançou a revisão do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), que define diretrizes para acelerar e dar escala à restauração.

De acordo com a rede MapBiomas, o Brasil teve entre 11% e 25% de sua vegetação nativa suscetível à degradação entre 1986 e 2021 – correspondente a uma área que varia de 60,3 milhões de hectares a 135 milhões de hectares. A Amazônia, por exemplo, somente no ano passado teve a maior área degradada dos últimos 15 anos por causa do aumento dos incêndios. Enquanto no desmatamento a vegetação é totalmente cortada, na degradação há perda gradual, decorrente do fogo, da remoção de árvores selecionadas e dos efeitos das mudanças climáticas.

Na prática

Ao aplicar o método na Mata Atlântica em São Paulo, os pesquisadores concluíram que as regiões mais próximas à costa (sul do Estado) apresentaram atributos com valores mais positivos em termos ambientais e maior heterogeneidade espacial do que as áreas do interior (noroeste), com padrão oposto.

Para a seleção dos atributos de equivalência ecológica foram analisados dados que incluem desde a variedade de espécies de pássaros, anfíbios e árvores até a cobertura florestal e estoque de carbono. Os atributos são inseridos individualmente, permitindo várias análises. E os atributos selecionados são apresentados de forma separada, garantindo transparência e entendimento do que será compensado.

Borges-Matos iniciou os estudos de sua tese fazendo uma revisão bibliográfica sobre as métricas de equivalência ecológica utilizadas em compensações ambientais já desenvolvidas e propostas até 2023. O resultado foi publicado na revista Environmental Management.

No ano em que a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) é realizada pela primeira vez na Amazônia, os resultados obtidos na pesquisa ganham ainda mais importância, pois podem ampliar o entendimento de que a integração da equivalência ecológica em negociações traz benefícios sociais, econômicos e ambientais. Além de conservar a biodiversidade e retornar serviços ecossistêmicos perdidos, contribuem para mitigação e adaptação aos efeitos das mudanças climáticas, com benefícios para comunidades locais e produtores rurais, avaliam os cientistas.

Os artigos A new methodological framework to assess ecological equivalence in compensation schemes e Combining protection and restoration strategies enables cost-effective compensation with ecological equivalence in Brazil podem ser lidos, respectivamente, em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2665972725000169?via%3Dihub#bib58 e www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0195925525001192.
 

quinta-feira, 27 de março de 2025

Ritmo de adaptação de florestas tropicais é mais lento que o necessário para fazer frente à crise climática


Mata Atlântica: o Núcleo Santa Virgínia, localizado no Parque Estadual da Serra do Mar, município de São Luiz do Paraitinga (SP), é uma das áreas pesquisadas no estudo (foto: Carlos Alfredo Joly)

Árvores de grande porte e madeira densa são as mais afetadas. Pesquisas publicadas recentemente nas revistas Science e Nature alertam para a possibilidade de empobrecimento radical dos biomas

 José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A crise climática está afetando as florestas tropicais de maneira acelerada, enquanto os processos ecológicos que regem sua adaptação ocorrem em ritmo muito mais lento. Duas pesquisas recentes, publicadas nas revistas Science e Nature, investigaram como as florestas tropicais estão respondendo às mudanças climáticas e quais são as implicações disso para a biodiversidade e a ciclagem do carbono. Os estudos indicam que as florestas estão mudando, sim, mas não na velocidade necessária para acompanhar o ritmo do aquecimento global.

“O que estamos vendo é que as florestas tropicais das Américas estão tentando se adaptar às mudanças climáticas, mas de forma bem mais lenta do que esperaríamos”, diz Jesús Aguirre-Gutiérrez, professor da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e primeiro autor dos dois artigos.

Gutiérrez informa que a crise climática está levando as florestas tropicais a mudarem sua composição, com um aumento de espécies decíduas, aquelas que perdem as folhas na estação seca. “Essas espécies têm uma vantagem em períodos de menor precipitação e temperaturas elevadas, pois podem reduzir a perda de água nesse contexto. No entanto, mesmo essa adaptação não está ocorrendo com rapidez suficiente para acompanhar a transformação do clima.”

Os dados revelam que espécies de grande porte, que desempenham papel fundamental na estrutura da floresta e na captura de carbono, estão sendo substituídas por espécies menores e de menor densidade. “Observamos que as espécies que se regeneram com maior facilidade não são as de grande porte e de madeira mais densa, mas sim aquelas com maior plasticidade adaptativa. Isso reduz a capacidade de estocagem de carbono da floresta e pode afetar os modelos climáticos, já que a capacidade fotossintética será menor no futuro”, afirma Carlos Alfredo Joly, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenador da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) e coautor dos dois artigos.

Monitoramento contínuo

Os estudos foram possíveis graças a décadas de monitoramento ecológico, utilizando parcelas permanentes de um hectare cada em diferentes regiões tropicais. As informações foram complementadas por imagens de satélite. “Os dados que utilizamos no artigo da Science vêm de parcelas distribuídas do México ao sul do Brasil”, conta Aguirre-Gutiérrez. “São 415 parcelas e foram necessários muitos anos para coletar essas informações. Agora, com imagens de satélite e modelagem, podemos expandir essa análise para outras regiões tropicais, como a África e a Ásia, onde os dados de campo são mais escassos.”

Essa abordagem permitiu mapear atributos funcionais das florestas tropicais, como a morfologia e a química das folhas, a estrutura da vegetação e a presença de espécies decíduas. “No estudo da Nature, utilizamos modelagem com dados do satélite Sentinel-2 da Agência Espacial Europeia, que nos permitiu criar mapas da distribuição desses atributos nos trópicos”, destaca Aguirre-Gutiérrez. “Isso nos dá uma visão detalhada de como as florestas estão mudando e nos ajuda a projetar cenários futuros.”

As pesquisas apontaram que as mudanças nas florestas tropicais podem levar à perda de biodiversidade e a um empobrecimento estrutural desses biomas. “Espécies de grande porte, como jatobás, ipês, perobas e jequitibás, estão desaparecendo porque não conseguem acompanhar as mudanças climáticas”, alerta Joly. “Na Amazônia, árvores icônicas como a castanheira-do-pará e as copaíbas também estão em risco. Além de seu valor próprio, como fontes de alimentos e medicamentos, essas espécies são fundamentais para a captura de carbono e a manutenção da biodiversidade.”

A transição para florestas dominadas por espécies mais adaptáveis pode ter implicações profundas. “Constatamos que as florestas estão se tornando mais suscetíveis à mortalidade em larga escala", comenta Simone Aparecida Vieira, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp e integrante da coordenação do Programa BIOTA-FAPESP. “Isso compromete funções ecossistêmicas essenciais, como a regulação do ciclo do carbono e da precipitação. O colapso florestal pode aumentar o carbono na atmosfera e reduzir a formação de chuvas, intensificando ainda mais a crise climática.”

Diante desse cenário, a conservação e a restauração das florestas tropicais tornam-se ainda mais urgentes. No entanto, simplesmente proteger áreas degradadas, apostando no processo de sucessão, pode não ser suficiente. “Se uma área degradada for protegida, as espécies nobres reaparecerão espontaneamente no processo natural de regeneração? A resposta curta é não”, afirma Joly. “Experimentos de restauração mostram que essas espécies apresentam uma taxa de mortalidade alta, mesmo quando plantadas. Elas crescem lentamente e são vulneráveis a eventos extremos.”

Além disso, a fragmentação das florestas dificulta a regeneração. “A perda de conectividade entre fragmentos florestais leva ao empobrecimento da biodiversidade”, explica o pesquisador. “Em áreas isoladas, a dispersão de sementes por animais como cutias, pacas e macacos fica comprometida, dificultando a regeneração de espécies vegetais importantes.”

Uma das soluções propostas é a regeneração natural assistida (assisted natural regeneration), que consiste no plantio de espécies adaptadas às novas condições climáticas. “Com os dados que temos, podemos identificar quais espécies nativas estão mais bem adaptadas ao clima atual e priorizar seu plantio", sugere Aguirre-Gutiérrez. “Isso pode aumentar as chances de sucesso dos programas de reflorestamento.”

Apesar dos avanços tecnológicos no monitoramento das florestas, os pesquisadores enfatizam que o trabalho de campo continua sendo indispensável. “A gente tem de continuar investindo em trabalho de campo, colocando recursos para que pesquisadores no México, no Brasil e em outros países possam coletar dados", destaca Aguirre-Gutiérrez. "Não podemos fazer tudo apenas com satélites. Precisamos de dados de campo para validar e aprimorar os modelos.”

As descobertas desses estudos reforçam a necessidade de políticas públicas voltadas para a conservação das florestas tropicais, aliando ciência, tecnologia e principalmente ações concretas para mitigar os impactos das mudanças climáticas. “A ecologia tem mostrado cenários cada vez mais preocupantes”, conclui Vieira. “Se não agirmos agora, as florestas tropicais podem perder sua função ecológica antes que consigam se adaptar ao novo clima.”

Os estudos receberam apoio da FAPESP por meio de cinco projetos (03/12595-7, 12/51509-8, 12/51872-5, 19/24049-5 e 22/14605-0).

O artigo Tropical forests in the Americas are changing too slowly to track climate change pode ser acessado em: www.science.org/doi/10.1126/science.adl5414.

E o estudo Canopy functional trait variation across Earth’s tropical forests está disponível em: www.nature.com/articles/s41586-025-08663-2.